Entrevista -

Entrevista | Conheça a Lara Matos, Nordestina, Mestiça, Poeta

A entrevistada de hoje é alguém realmente incrível, divide a vida de escritora e poetisa com pesquisadora de criminologia e direitos humanos. Versátil nas letras, ela tem sua formação e profissão na advocacia, porém sua perspectiva criativa vai além de termos difíceis e técnicos. 

Quando não está atuando sua profissão, gosta de ler e pesquisar sobre etimologia e mitologia. Se diverte lendo psicologia, arquitetura, artes plásticas e sobra ainda um espaço para história. Por ler tudo que encontra, sendo acadêmico ou não, ela tem uma vasta, quase infinita gama de informações - eu estou falando bem sério;  dando uma qualidade única em suas composições literárias, além disso, ela escreve uma série infantil de mini contos, A Origem Fantástica dos Animais Comuns, que está sendo publicada aos poucos no seu blog, o Caixa de Abelhas.

Estamos conversando hoje com nada menos que a Lara Matos que concordou em falar um pouquinho sobre ela e a entrevista você confere logo abaixo… 

BC - Como começou a gostar de poesia, quem incentivou e que tipo de poesia você mais gosta ou prefere fazer?

Lara - Eu sempre gostei de ler e tal; meu primeiro livro preferido foi Ou Isto ou Aquilo da Cecília Meireles. Comecei a escrever por volta dos onze anos, e aos doze já tinha poemas como minha principal linguagem. Poemas, aqui no nordeste, são bem fáceis de gostar pela nossa tradição de interior de cantoria e repente, dai como eu sempre tive contato com isso, foi meio espontâneo mesmo. 

Eu tive um blog de relativo alcance na internet do início dos anos 2000, o A Poetisa, que me ajudou a conhecer pessoas incríveis com as quais tenho contato até hoje.

BC - Lara tem um estilo próprio, esse estilo representa sua poesia de que forma?

LaraVish, eu não sei bem se minha poesia tem um "estilo"; eu costumo prestar atenção em caráter formal, tomar cuidado com advérbios e métrica, até por questão de ritmo, mas eu não diria que esta é uma estilística rígida, é só a maneira que acho que me agrada mais esteticamente. Daí eu criei esse meio termo entre escansãoe verso livre que torna a coisa toda mais musical, mas tenho poemas de métrica mais rígida, como Mapas.

Mapas
Mapas    Caixa de Abelhas/Lara Matos

BC - Você participa de coletivos, revistas, publicações, recitais. Nos diga quais?

Lara - Nossa, participo regularmente do Coletivo Leituras, com amigas piauienses que amam literatura tanto quanto eu e resenham livros e da Revista Pólen, que une mulheres que escrevem do país inteiro, criando ficção e verso, além de textos sobre a própria escrita e seus contextos. Já participei também da coletânea Baião de Todos, organizada pelo professor Cineas Santos, além da oficina Quebras do escritor vencedor do jabutiMarcelino Freire. Contribuí na revista Estrago, editada por Paulo Scott(indicado ao Jabuti pelo livro O Habitante Irreal) com meu poema Sinonímia.No blog Livre Opinião-Ideias em Debate, do também indicado ao Jabuti Jorge I. Filholini, com vários textos.

Ela ainda completa...

Aos poucos, o currículo se tece e nosso talento se impõe, mesmo com as dificuldades de ser mulher, que já é por si estar fora do eixo comercial de produção literária. Eu tento usar o humor (muitas vezes cínico) para lidar com isso, presente em muitos poemas meus como A Musa e o já citado Sinonímia, porque tira a passividade esperada de nós. 

A Musa

Uma mulher deve ser bonita, vista e admirada por isso.

Afinal quem precisa de uma mulher que entenda a

dor e outros processos complexos da vida?

 

Uma boa mulher deve estar imune

aos radicais livres e ao estresse

ter sempre um sorriso no rosto

e ser uma tola.

 

Se sofrida, a mulher deve morrer jovem:

Suicidas belas como cisnes para serem lidas

e fotografadas como estátuas

não representam perigo à hegemonia

estando comidas por vermes.

 

Agora, uma poeta velha sem louros ou uma heroína

com pelancas?

Não nesse mundo de homens.

 

Mulheres sábias agradam como mulheres barbadas,

são uma parafilia com suas ironias afiadas

e cérebros precisos.

 

Uma mulher assim é um significado uma instituição

um símbolo gritando que algo deu errado no reino dos machos

um mau presságio-que não serve para ser amada

com seus braços fortes e olhos

embotados de morte.

BC - Se considera uma poeta teresinense ou latino-americana?

Lara - Sobre a orientação de localidade, acho que sou ambas as coisas, tanto teresinense quanto latina, afinal não se excluem. Como sou apaixonada por esse tempero místico comum a todos nós, procuro colocar isso no que escrevo, não num regionalismo forçado, mas sim agregando elementos de coisas em que eu realmente acredito (superstições, santos, orações) e que são parte da minha identidade tanto como teresinense como latino-americana.

BC - Já sofreu por amor?

Lara - Se eu sofri por amor? Só (risos). Mapas, meu poema mais "famoso", nasceu de desilusão e mágoa profundas ao saber que meu namorado da época (assim eu pensava) tinha uma noiva em outro estado. Eu era bem mais jovem e inexperiente, mas esse aprendizado me acompanha até hoje.  Só que eu não gosto muito da figura da "poeta sofredora", então geralmente recorro à ironia e mesmo ao mero relato de intuições nos meus poemas. Eu não sofro tanto como alguns versos meus deixam transparecer (risos). Muita coisa é hipérbole e esforço cognitivo para por sensações (não emoções) em palavras. Meus poemas tratam mais de outros tipos de dores, do abandono e da condição feminina, porque, embora digam o contrário, é uma condição, mas que não se confunde com limitação.

BC - Seu poema predileto:

Lara - Meu poema predileto eu realmente não sei qual é. Torsode um Apolo Arcaico, do Rilke. Daddy, da Sylvia Plath; Um Beijo, Ana C.;Phenomenal Woman, Maya Angelou, Antes da Exposição, de Paulo Scott e o Canto V das Musas Cegas, de Herberto Helder; Sereia a Sério e Rilke Shake de Angélica Freitas; Escuta de Eucanaã Ferraz, Estrambote Melancólico deCarlos Drummond de Andrade, Ugly, Warsan Shire;  tem muito verso decorado na minha cabeça (risos). Como poeta, consumo muita poesia. Por último, o livro Constelações, deHelena Zelic, me impressionou bastante, tanto que nem pude escolher um que gosto mais. Os poemas de Taís Bravo de Arianne Pirajátambém me abraçam muito.

BC - Nos conte sobre seu feminismo e sua pelo fim dos preconceitos de gênero:

Lara - Sobre meu feminismo e luta pelo fim dos preconceitos de gênero, que é também uma parte importante da minha atuação como acadêmica e advogada, tem uma frase da Maya Angelou: "eu sou feminista. Eu tenho sido uma mulher por um longo tempo. Seria estupidez não estar do meu próprio lado." Quando você vê certas coisas de mercado editorial (além da violência misógina diária, tanto física como simbólica), organizações literárias, e etc, você vai vendo que o machismo e o sectarismo são reais e que a criação feminina, quando chega aos olhos pra ser relevante, é tratada como menor, sempre cito a contraposição entre a Elena Ferrantee o Karl Knausgaard, que escrevem a mesma literatura mas só ela teve que usar pseudônimo para evitar julgamentos, que inclusive vieram, até com investigação para descobrir quem é uma pessoa que insistiu no anonimato, sendo muito invasivo e desrespeitoso.

Daí encouraçar uma persona literária para conseguir sobreviver nesse meio e não só. Ser mulher, nordestina,mestiça, acadêmica, poeta, já me faz membro de tantas resistências que seria impensável não me pronunciar a favor do que acredito. É uma questão de lugar ocupado mesmo.

Não dá pra ser quem eu sou sem muito feminismo e luta contra racismo, homofobia (a luta das mulheres e dos homossexuais passa por uma expressão mais livre de sua sexualidade sem tanto comprometimento com os atuais estereótipos de gênero, por isso acho muito importante interseccionar a luta feminista-heterossexual ou não- com a dos LGBTTQs) e toda sorte de preconceitos gerado por estupidez emedo do outro, diferente de nós.

Até porque pra fazer uma literatura que tenha relevância, é basilar considerar os outros, mesmo que só em divagações. Mas o discurso fala para outra pessoa, e a preocupação com ela tem que ser um ponto a considerar.

Lara ainda finaliza...

Eu dei sorte por contar com homens íntegros ao meu redor e mais ainda, por uma rede feminina de apoio à minha escrita que é fundamental. Masser mulher e escrever, em especial coisas que nem todos mundo quer ler, que fogem ao estereótipo de "poetisa sonhadora romântica", que tem temperos de agressividade e humor ácido, gera muita reação e questionamentos.

Não há como ver  a ascensão da literatura feita por mulheres que apesar da qualidade que alia sucesso comercial e conteúdo (cito aqui o exemplo da australiana Liane Moriarthy), ainda é relegada aos rótulos horríveis de "chick-lit" ou "romance romântico", quando geralmente as coisas são bem mais complexas e bem trabalhadas. Acho que o principal é lutar por uma voz feminina que possa se pronunciar contra os reducionismos e generalizações, e isto não só no campo literário, mas em relação a todos os aspectos da vida. 

Realmente a Lara Matos deixou você chocado pela quantidade, qualidade e preciosidade intelectual e criativa que ela tem, não foi? Espero que tenham gostado como foi divertido e importante para mim.

A Maria Helena, minha filha, ajudou na edição desta postagem.

Você encontra a Lara:

Facebook
Tumblr
Twitter

Fonte: Pikachu Sama

Instagram

Comentários

Trabalhe Conosco