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Resenha: A Passagem - Justin Cronin (Livro 1)

 

    Foto de Ana Luiza Ferreira

A HISTÓRIA

Essa é a história de como o mundo que nós conhecemos acabou. Tudo começa com um experimento militar em busca de soldados mais fortes e mais resistentes. Ninguém usava a palavra vampiro, mas esse era a ideia: seres humanos que se regenerassem de forma rápida e envelhecessem bem lentamente. Contudo, o projeto se desenvolve em segredo: nem mesmo grande parte dos funcionários que trabalha no complexo militar, escondido na floresta, sabe o que está acontecendo por lá. Poucas pessoas no mundo sabem que o governo dos EUA está injetando vírus em criminosos condenados a morte para os transformar em criaturas muito fortes, capazes de se regenerar e sensíveis a luz. 

O agente do FBI Brad Wolgast tem apenas uma leve ideia do que os militares estão fazendo. Contudo, o trabalho de dele não é fazer perguntas, e sim convencer prisioneiros a participar do experimento. Mas, tudo muda quando o alvo de Wolgast passa a ser uma menina órfã de seis anos. Por algum motivo, Amy foi escolhida para fazer parte do experimento e é Wolgast quem precisa regatá-la do convento de freiras onde está hospedada e levá-la para o complexo. Mas, algo sobre Amy era diferente desde o início. As pessoas se apegam a ela com facilidade. A freira que ouve vozes, Lacey, é uma delas, assim como Wolgast. Logo que coloca os olhos em Amy, Wolgast sabe que ela é importante e que ele precisa protegê-la. Mas será que ele será forte o suficiente para mantê-la longe dos militares e de seu projeto maldito – mesmo quando Amy deixar de ser a garotinha humana pelo qual Wolgast se afeiçoou?

Porque algo que é certo é que tudo vai dar errado. A busca por seres humanos mais fortes e poderosos vai dar início a um apocalipse sangrento e colocar toda a existência humana em perigo. 90 anos se passam e a nada é como antes. O pouco que restou da humanidade se esconde por trás das luzes para fugir das criaturas que se escondem no escuro, humanos transformados em coisas abomináveis e sedentas por sangue. Pouco se sabe sobre Antes, exceto que o terror, o pânico e o vírus se espalharam rapidamente e devoraram a civilização. 

“Aconteceu depressa. Trinta e dois minutos para um mundo morrer e outro começar a nascer.” Pág. 217

Na Colônia vive-se como nos tempos medievais. É lá que mora PeterSaraAlicia e Michael, jovens que cresceram nesse mundo em pedações e infestado de monstros. A vida que levam é perigosa e incerta, mas pacata e feliz a sua maneira. Entretanto, os maiores problemas desses jovens, amores não correspondidos e dúvidas sobre o futuro, ficam em segundo plano quando eventos desastrosos resultam na chegada de uma menina, uma andarilha, a Colônia. A menina sem nome não é como eles, mas também não é como os virais, e com a ajuda de Peter, Sara, Alicia e Michael, ela poderá mudar tudo e trazer novamente esperança para a humanidade.

A SÉRIE

A Passagem é o primeiro volume de uma trilogia de mesmo nome, escrita por Justin Cronin. Nesses três livros de ficção científica misturado com distopia e terror, vemos a civilização ser destruída por bestas vampíricas e a humanidade (que restou) redescobrir uma nova maneira de viver.

A LEITURA: NARRATIVA, TRAMA E CRÍTICAS DE A PASSAGEM

Eu estava com altas expectativas para A Passagem, afinal, há anos ouço elogios sobre a série. E, felizmente, acabei gostando da obra bem mais do que imaginava. Apesar de o grande volume do livro ter tornando a minha leitura lenta (demorei quase um mês para devorar essas 816 páginas), acabei tendo uma experiência incrível e me apaixonando pela série. Vampiros são os meus seres sobrenaturais favoritos e, apesar deles ganharam um caráter mais científico em A Passagem, já que são criados a partir de um vírus e um experimento mal sucedido, gostei do desenvolvimento dos seres na obra. A Passagem consegue, ao mesmo tempo, trazer elementos clássicos da mitologia sobre vampiros (a sede infindável por sangue, a força sobrenatural, o poder de hipnotizar e influenciar humanos), mas também dar sua contribuição inusitada a esses seres: mostrando os vampiros como humanos que carregam um vírus e que têm uma espécie de sociedade própria, com líderes e estratégias de ataque, por exemplo.

Como disse um pouco acima, o autor consegue misturar bem ficção científicadistopia e terror. Cronin nos transporta para um mundo novo, sombrio, devastado e fascinante. A Passagem traz um cenário rico e único, que desperta a nossa imaginação sobre o futuro do nosso mundo. De fato, todo o livro serve como um bom exercício de imaginação e reflexão. Experimentos militares que buscam soldados melhores já foram e ainda são uma realidade, mesmo que não tão macabros quanto nessa história. Mas, através de vampiros feitos em laboratório, Cronin nos faz pensar sobre os limites e os problemas da ciência – até onde podemos ir com nossos experimentos e como a ambição e poder influenciam na busca por conhecimento? A Passagem também nos faz repensar sobre a fragilidade da sociedade e da vida humana, tão sensíveis a acontecimentos como um surto viral, mas também sobre o que exatamente nós faz humanos – seria a nossa mente? Os nossos sentimentos? A nossa história?

    Foto de Ana Luiza Ferreira

E em meio a muitas críticas e reflexões, A Passagem ainda constrói uma história fascinante sobre jovens em busca de um sentido para a vida, assim como sobre as pequenas coisas que nos fazem sentir vivos:as paixões, as amizades, os medos, as inseguranças, as ambições e mais. A trama de A Passagem, apesar de bastante extensa, é cativante e rica demais para sequer pensarmos que poderia ser mais sucinta. Eu não mudaria nada nessa longa história: ela é bem construída, provoca diversas emoções com seus momentos de drama, tensão e mistério. Contudo, a obra ainda tem umas pitadas de romance e aventura, o que torna a leitura um pouco mais leve.

“Os dentes, a sede de sangue, a união imortal com as trevas – e se essas coisas não fossem mera fantasia, e sima uma lembrança, ou até mesmo um instinto, algo gravado em nosso DNA havia milênios, algum poder sombrio que existia dentro do homem? Um poder que poderia ser reativado, aprimorado, controlado?” Pág. 100

Eu adorei a trama sombria, emocionante e crítica de Justin Cronin, mas não gostei tanto de sua narrativa em terceira pessoa. O autor tem uma boa escrita, que consegue passar bem as personalidades e sentimentos dos personagens, mas que se perde um pouco com longas (e desnecessárias) descrições. Acho que o autor de A Passagem poderia ter sido, em muitos e muitos momentos, mais objetivo, indo logo ao ponto importante da história, o que teria deixado a leitura um pouco mais rápida e agradável. Contudo, algo que gostei é que Cronin não se limita a uma narrativa em terceira pessoa. Especialmente nos inícios de alguns capítulos, ele troca para a primeira pessoa, simulando um diário de um personagem, ou narra os acontecimentos ou detalhes como se fosse um relatório ou um registro histórico.

    Foto Ana Luiza Ferreira

OS PERSONAGENS

Com uma narrativa tão extensa, é compreensível que A Passagem tenha um grande número de personagens. Confesso que fica confuso, em alguns momentos, lembrar quem é quem, mas logo fica claro quem é importante para a história ou não. A protagonista principal, ou no mínimo a personagem mais importante, sem sombra de dúvida, é a Amy. Não quero falar muito sobre ela para não dar spoilers, mas é interessante acompanhar o desenvolvimento da garota, que passa grande parte do livro como uma vítima, mas que acaba descobrindo sua grande força.Dos outros protagonistas, acabei simpatizando e me identificando mais com os jovens da Colônia: PeterSaraAlicia e Michael - eles são divertidos e muito corajosos. Contudo, todos os personagens de A Passagem trazem algum tipo de contribuição para a história e esbanjam personalidades próprias e complexas, com qualidades e defeitos. Justin Cronin precisa se elogiado por conseguir criar um número tão grande de personagens que soam bastante reais. 

A EDIÇÃO

A edição de A Passagem está muito boa. O livro tem poucos, mas interessantes detalhes, como o desenho da Colônia e foto de árvores no início de cada parte. Não é de se surpreender que um livro volumoso como esse seja bem pesado e achei o tamanho das letras um pouco pequeno, mas nada que atrapalhasse a leitura, e as páginas amareladas sempre ajudam a deixar uma obra mais confortável. Eu adorei essa nova capa de A Passagem. Ela é bonita e sombria, e combina com a obra ao trazer a silhueta de uma garota em uma imensidão verde, o que, claro, nos remete a trajetória de Amy.

CONCLUSÕES FINAIS

Apesar de ser uma leitura demorada, A Passagem acaba sendo uma experiência rica e emocionante. Em um cenário pós-apocalíptico e personagens complexos, Justin Cronin construiu o início perfeito para uma saga que fala sobre vampiros, ciência e humanidade. Uma mistura perfeita de ficção científica, distopia e terror, A Passagem é uma obra tensa, sombria, crítica e apaixonante. O livro me fascinou e surpreendeu do início e estou ansiosa para ler os próximos dois volumes da trilogia.

QUOTES FAVORITOS

“Antes de se tornar a Garota de Lugar Nenhum – Aquela que Surgiu, A Primeira, Última e Única, a que viveu mil anos – ela era apenas uma menininha chamada Amy.” Pág. 10

 

“Amy era uma criança. O que seria dela depois que ele morresse? Essa garota que mal dormia ou comia, cujo corpo não conhecia doença ou dor? Não, ela não morreria. Isso era pior, o mal terrível que haviam feito com ela. O tempo dividia ao redor dela como ondas em volta de um píer, passando enquanto Amy permanecia a mesma. (...) O que quer que tivessem feito, Amy não morreria, não podia morrer.” Pág. 271

 

Título: A Passagem

Título original: The Passage

Série: A Passagem

Volume: 1

Autor: Justin Cronin

Editora: Arqueiro

ISBN: 9788599296820

Ano: 2013

Páginas: 816

Esta resenha é integralmente escrita pela Ana Luiza Ferreira.

 

Fonte: Mademoiselle loves books

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