Entrevista-Denúncia -

EXCLUSIVO: Como autoridades são usadas para calarem e intimidarem jornalistas no Piauí

 

Por Rômulo Rocha - Do Blog Bastidores

 

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O MINISTÉRIO PÚBLICO PEDE PARA SE CALAR

Sobre os pedidos de censura de um dos membros do Ministério Público do Piauí ao Blog Bastidorese ao Portal 180graus:“O papel do Ministério Público é, inclusive, deflagrar ação penal pública contra supostos corruptos para proteção do patrimônio público, não associar-se a eles para, junto ao Poder Judiciário, conseguir medidas liminares impeditivas da liberdade de imprensa e do pleno exercício da atividade jornalística”, diz criminalista Gilberto Ferreira

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_Veja a entrevista ao final da matéria...

_1ª Parte da Entrevista ao final da matéria

O CASO 1: FCCAMC

Nesse dia 3 de maio, data em que se comemora o Dia Mundial de Liberdade de Imprensa, o Blog Bastidores torna público - com base em ao menos três casos onde a Polícia e/ou o Ministério Público do estado supostamente foram ‘usados’ por suspeitos ou investigados para desviar o foco das atenções de matérias jornalísticas - as possíveis manobras usadas para incriminar jornalistas.

A situação funciona da seguinte forma: quando alvos de matérias, tais pessoas procuram a Justiça, ou o Ministério Público, ou a Polícia [mais comum], repassam informações falsas e a partir dali, misteriosamente, o que é falso ganha conotações de investigação, indiciamento, denúncia e assustadoramente aparece em Portais e TV.

Ou seja, alguns setores da própria imprensa dão vazão a isso. Jornalistas inteligentes, que se tivessem o mínimo trabalho de ler os tais 'inquéritos' ou peças veriam as aberrações jurídicas. Mas por quê fazem isso? Alguns jornalistas, ao reportar tais fatos, são conscientes da farsa. A dúvida é: as autoridades têm noção do que estão a fazer ao atuar para calar jornalistas?

Em alguns casos há suspeitas de que sim. Exemplos clássicos onde o aparelho do Estado foi usado contra o Blog Bastidores,do180, estão expressos em basicamente três casos. Um deles é o da FCCAM, instituição através da qual eram desviadas emendas parlamentares alocadas em pastas do governo.

Nesse episódio noticiado pelo jornalista responsável pelo Blog Bastidores, teve que se ir à polícia depor quatro vezes, perante o delegado Mamede Rodrigues. Até que um outro delegado - que estava afastado de suas funções -, e a mando dos políticos envolvidos, relatou que se o blog parasse de escrever, era possível que as queixas fossem esquecidas. Ainda, que aqui no Piauí era assim: “uma mão lava a outra”.

O blog não aceitou e ganhou os processos movidos. Todos eles. Nesse caso o Ministério Público atuou e detectou os desvios na instituição e não atuou contra o jornalista, ao contrário. 

O CASO 2: IDEPI

O segundo caso diz respeito aos envolvidos no caso IDEPI - desvios de recursos públicos através de estradas vicinais. Um dos empreiteiros chegou a relatar que teria existido um “bolão” para calar o Portal 180graus e que ele resolveu não participar. Isso quando o portal começou a cobrir o caso em 2017.

A estratégia do grupo de investigados, que têm os rostos que tomam a frente nisso, consistiu em denúncia junto ao 12º Distrito Policial, informando se tratar de perseguição e divulgação de informações não condizentes com a realidade [informações essas, no entanto, extraídas de relatórios do TCE e vindas do MPE, portanto, algo oficial].

A estratégia dos advogados e dos empreiteiros, que reúne até um ex-conselheiro federal da OAB, também consistiu em orientação de registro de queixa na Delegacia da Mulher. Ainda, levantamento da vida pessoal do jornalista responsável pela cobertura, suposta contratação de pessoa especializada para levantar informações [detetive], pedido de censura junto à justiça e pedido de retirada do portal noticiante do ar.

Também pagamento de portais para distorcerem os fatos, no tocante à denúncia junto à Delegacia da Mulher e notas plantadas na imprensa 'leiteira', além de mobilização de pessoas próximas para difamar os jornalistas na internet e em comentários nas matérias, com mensagens padronizadas, através até de contas inexistentes, além, claro, de uso de pesadíssima influência junto a autoridades responsáveis pelos casos no aparelho estatal. Algumas notaram logo a tramoia.

O Ministério Público, ao ver a farsa, de início, pediu o arquivamento, por entender, que o que se viu era uma mulher de um empreiteiro, insatisfeita, porque ele era noticiado no rol de uma cobertura jornalística. Mas ‘tiraram’ a promotora do caso, e incluíram um outro, que ofertou denúncia, denúncias essas por crimes que para ocorrer, teriam que ter no mínimo contato físico entre o jornalista e a mulher que entrou no meio de uma cobertura jornalística para tumultuar.

O que é o pior, o promotor em questão pede em duas ocasiões a censura. Quer dizer, uma acusação embasada em suposta Violência Doméstica, mas que é usada para censurar um portal de notícias e de certa forma para calar e intimidar um jornalista. É o que pensam os advogados que atuam no caso e para onde caminham os fatos.

O CASO 3: O DA ACUSAÇÃO DE FAKE NEWS

O último e mais recente acontecimento de atentado a membro da imprensa no Piauí, diz respeito à suposta produção de Fake News pelo titular do Blog Bastidores.

Tudo inicia quando nas eleições de 2018 se indaga, em um grupo de WhatsApp - e a jurisprudência dos tribunais superiores diz que se trata de um meio privado, não público - sobre um print que circulava, e no qual havia menção a pagamentos feitos por um candidato a senador da República a uma política-jornalista. O caso foi levado pelos poderosos advogados do senador à Justiça Eleitoral, que entendeu, por sua vez, que o que havia ocorrido era uma pergunta, e nem multa aplicou. O caso morreu. Advinhem que eram as testemunhas: todas as pessoas que idolatravam ou dependiam financeiramente do tal senador. 

O X da Questão: Ocorre que após o Blog Bastidores noticiar a necessidade de investigação para prints que teriam vazado de suposta conversa entre um ex-secretário de Estado, com tratativas de suposto repasse de dinheiro para difamadores através de portais amigos, o caso das Fake News da eleição veio à tona novamente, e estrategicamente, agora, início do ano de 2019.

Um detalhe importante. Em cerca de 24 horas após a publicação da matéria onde se cobrava a investigação  do coteúdo dos prints envolvendo o ex-secretário, ao menos duas viaturas da Polícia Civil se revezaram no 180graus atrás do titular do Blog Bastidores. E em menos de uma semana, um inquérito estava pronto e com o jornalista do blog indiciado.

Uma então política-jornalista da Meio Norte divulgou:A conclusão do inquérito foi então, rapidamente, difundida e alardeada em vários meios de comunicação, como se novo fosse, como se a polícia tivesse encontrado um culpado (o que não encontrou). A suspeita é que a polícia tenha sido mobilizada para isso e a imprensa também, através desse ex-secretário. Ao lerem o direito de resposta do jornalista indiciado na TV informaram até que ele iria procurar a Polícia da Inglaterra. Fato que nunca foi dito, como prova e-mail encaminhado para a direção da respectiva.

Tem-se nesse caso, portanto,  um suposto inquérito com caso já julgado pela justiça especializada, que segundo advogados, pode ter sido reavivado e vazado pela polícia, para ganhar os meios de comunicação e atender, naquele momento, aos interesses daqueles para os quais o titular do Blog Bastidores havia cobrado investigação. Investigações essas para o conteúdo existente em printsque insinuavam claramente a negociação de repasses de dinheiro público como incentivo a difamadores em redes sociais e portais com alvos pré-estabelecidos.

Um desses difamadores é, inclusive, processado pela presidente do Tribunal Regional do Trabalho, Liana Chaib - portanto, caso que, em tese, seria da alçada da Polícia Federal. Ora, como do nada apareceram supostas conversas de um secretário de Estado das quais se podia inferir que ele, supostamente, financiaria, com dinheiro público, alguém que difunde informações falsas sobre muitos e intimida até uma presidente do TRT regional? Era necessária uma investigação.

Aqui, nesse ponto, os envolvidos precisavam agir rápido. E agiram, divulgando ser os printsFake News, indo à polícia, inclusive, agindo para reavivar situação julgada e indiciar o jornalista que cobrou a tal da investigação para os nada republicanos diálogos. O indiciamento do profissional de imprensa se deu por envolvimento com... Fake News. Imagina. Ou foi tudo coincidência do acaso?

Por isso, não à toa, tudo foi parar rapidamente na imprensa 'leiteira' para que houvesse a sensação de caso resolvido. É a chamada contrainformação e a desinformação. O secretário, mesmo pedindo para ficar no cargo, caiu!

 

Para recorrer à Polícia e pedir o indiciamento de profissional de imprensa, empreiteiros do IDEPI, figiram não existir investigações sobre o caso IDEPI no TCE
_Para recorrer à Polícia e pedir o indiciamento de profissional de imprensa, empreiteiros envolvidos no Caso IDEPI fingiram não existir investigações no TCE. O grupo têm o apoio de portal de notícia que se contrapõe ao 180graus, em total prática de desinformação aos governados   Foto: Divulgação

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A PRIMEIRA PARTE DA ENTREVISTA

Em alusão ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o criminalista Gilberto Ferreira foi chamado a tratar sobre esses ataques.

 

Blog Bastidores (180): Nessa semana em que se comemora o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa eu, por dever, devo informar que um dos membros do Ministério Público do Estado do Piauí, em processo que eu reputo ser questionável, formatado contra mim por um grupo de empreiteiros investigados por corrupção pelo próprio Ministério Público e pelo TCE, pediu ao menos duas vezes a censura do blog que eu assino e do Portal 180graus. Ora, como é que eu sou investigado criminalmente, e tentam numa peça criminal calar um Portal de Notícias 180graus para o qual trabalho - um terceiro que, em tese, não é parte no processo criminal? Como o Ministério Público pede a cassação do meu registro profissional? Que liberdade de imprensa é essa nesse estado, o Piauí, que é uma meia liberdade? Isso não depõe contra as instituições locais, no caso o próprio Ministério Público?

Criminalista Gilberto Ferreira: O sonho de consumo de um corrupto é amordaçar veículo de comunicação investigativo, mas cabe ao Ministério Público, em qualquer das esferas, inclusive no Estado do Piauí, por força do art. 127 e 129, I e III, da Constituição Federal de 1988, a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais, inclusive deflagrar ação penal pública contra corruptos para proteção do patrimônio público, não associar-se a eles para, junto ao Poder Judiciário, conseguir medidas liminares impeditivas da liberdade de imprensa e do pleno exercício da atividade jornalística, até porque, segundo Rui Barbosa, “A imprensa é a vista da nação”. Ressalte-se, por oportuno, que lugar de corrupto é detrás das grades e não nos Tribunais processando jornalistas cumpridores dos seus deveres profissionais.

 

Blog Bastidores (180): Falo isso porque muitas das vezes em que esse caso é abordado por mim, chegam a peticionar em vários processos informando que se sentem ameaçados, intimidados, para induzir juízos a erro. Só que, o próprio Lula, um condenado, pôde dar uma entrevista sobre seu caso, porque alguém que é ‘investigado’ por reportar supostos malfeitos embasado em documentos públicos, em meio a uma cobertura jornalística, não pode falar sobre aquilo que suspeita ser uma trama? Isso não é um contrassenso?

Criminalista Gilberto Ferreira: Sim, até porque o inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, assegura o direito à liberdade de expressão, garante a livre manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, inclusive o direito aludido é assegurado na Declaração Universal dos Direito Humanos, de 1948, promulgada pela Organização das Nações Unidas. O caso a que você se reporta não é o Escândalo de Corrupção do IDEPI, envolvendo empreiteiras de pessoas protegidas? Ora, por que os supostos corruptos, em juízo, se dizem ameaçados com suas reportagens? Porque a liberdade de imprensa os incomoda, e até põe em risco os supostos negócios inconfessáveis deles. Mas cabe ao jornalista agir em defesa da sociedade, do patrimônio público, objetivando a verdade dos fatos, fornecendo informações idôneas, para que o público tire suas próprias conclusões.

Blog Bastidores (180): No Piauí eu vi essa prática de tentar me incriminar em três claras ocasiões, envolvendo ou Polícia Civil ou membro do Ministério Público. Uma foi quando noticiamos o desvio de dinheiro pela FCCAM, uma associação que desviava recursos de emendas parlamentares alocadas em secretarias. Eu fui chamado quatro vezes para depor pela Polícia Civil. Outra foi no Caso Idepi, eu fui chamado duas vezes pela Polícia para depor e explicar minhas matérias. Até na Delegacia da Mulher eu tive que ir por falsa acusação. E a outra,  agora, acusado de publicar uma Fake News, após cobrar investigação para supostos pagamentos de propina por membro do governo a portais e pessoas que fazem uso de redes sociais para difamar. No final das contas eu fui o investigado. De modo que me sinto na época do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), uma vez que é comum a polícia ser usada para vir atrás de mim. O que reputo como intimidação. Que paralelo o senhor vê em casos como esses e a ditadura, período nefasto que o senhor saiu às ruas combater?

Criminalista Gilberto Ferreira: Apesar de o inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, assegurar aos jornalistas a livre expressão da atividade intelectual e de comunicação, independente de censura ou licença, o Brasil, e aqui se inclui o Piauí, é um país perigoso para o jornalista que se propõe a fazer um jornalismo sério e compromissado com a verdade. A reação à pauta dessa natureza é terrível, por parte dos esquemas criminosos que surrupiam o dinheiro público. As perseguições chegam até à morte moral, que é pior que a morte física, mediante o ajuizamento de centenas de ações penais, sem justa causa, mas inadvertidamente, ou de má-fé, acolhidas pelo órgão da acusação oficial, ainda que com prejuízos irreparáveis para o jornalista. Isso, diga-se de passagem, em plena democracia. Imagina numa ditadura, mormente, a instalada no Brasil com o Golpe Militar de 31 de março de 1964.

 

Blog Bastidores (180): Nesse tempo de ataques à liberdade de imprensa, além de homens públicos usarem o aparato do Estado para calar e intimidar jornalistas no Brasil e no Piauí, há o fato deles usarem a seu favor a tal das Fake News. Como? Quando não gostam de uma publicação divulgam ser Fake News. É a chamada desinformação. Ou seja, ao invés de dar explicações sobre o noticiado, vão na Polícia, registram boletim de ocorrência, mandam a polícia atrás dos jornalistas, e ainda mandam os amigos na imprensa - que muitas vezes dependem dos recursos públicos para ter um dinheirinho - atacar o jornalista para que ele fique estigmatizado como alguém que publicou uma Fake News. Aqui no Piauí tem até uma pessoa que recebe dinheiro público, ligada a ex-secretário de Estado que caiu, que passava o dia montando imagens com reportagens do Blog Bastidores e o carimbo de Fake News para espalhar em redes sociais. Isso para que os ex-chefes não tivessem que dar satisfação.

Criminalista Gilberto Ferreira: Issi é perigoso. A verdade, lamentavelmente, está passando por momentos difíceis, mas haverá de triunfar, até porque nenhuma conduta humana ilícita escapa à tipificação penal.

Blog Bastidores (180): Não é algo habitual, mas no Piauí ainda se vê juízes censurando jornalistas e com justificativas inimagináveis e criativas até, a pedido de investigados por corrupção, por exemplo. Na sua visão, porque isso acontece, se a Constituição - e aqui pegando uma afirmação da ministra Carmén Lúcia - é clara, límpida, ao tratar sobre isso, no sentido de que não pode haver censura?

Criminalista Gilberto Ferreira: Isso acontece porque tem juiz que pensa que pode tudo, inclusive contrariar a Constituição Federal, mas há aquele que adora agradar corrupto poderoso, inclusive por interesses inconfessáveis. Há os que pensam serem pequenos deuses na terra e que podem tudo, mas trata-se de um equívoco lamentável, posto que magistrados estão sob o controle do Conselho Nacional de Justiça.

 

Blog Bastidores (180): E no caso do Ministério Público, fiscal da Lei e da própria Constituição. Não configura total despreparo de promotores pedir a censura de meios de comunicação?

Criminalista Gilberto Ferreira: O despreparo intelectual é patente, mas às vezes, há também a má-fé, inclusive dependência, por alguma razão, aos corruptos ou a advogados espertos.

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**** A segunda parte da entrevista com mais informações O Leitor  terá disponibilizada na próxima segunda-feira (6).

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