Imunidade de rebanho -

Aliado de Bolsonaro, Osmar Terra admite à CPI erro em projeção da pandemia e é confrontado

RAQUEL LOPES E RENATO MACHADO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

O deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) admitiu em depoimento à CPI da Covid no Senado que errou nas projeções sobre mortes e duração da pandemia do coronavírus e apresentou uma visão sobre a tese de imunidade de rebanho que contraria suas falas anteriores -sendo por isso confrontado pelos senadores.

Terra, aliado próximo de Jair Bolsonaro (sem partido) e apontado como integrante e "padrinho" do gabinete paralelo, negou que haja uma estrutura de aconselhamento do chefe do Executivo fora do Ministério da Saúde. E também disse que tem influência "zero" sobre o presidente.

O parlamentar prestou depoimento à comissão nesta terça-feira (22/06). Terra havia sido convocado pelos senadores da CPI, mas o requerimento foi transformado em convite -formato em que a presença não é obrigatória- após pedido do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Os senadores da comissão exploraram principalmente as previsões errôneas de Terra a respeito da pandemia e sua defesa pública da imunidade de rebanho.

O parlamentar reconheceu que errou nas projeções, mas justificou-se argumentando que elaborou-as com base nos dados disponíveis na época e também nas informações de epidemias anteriores.

Terra afirmou em março de 2020 que o Brasil teria no máximo 2.000 mortes em decorrência da pandemia, mas o país já ultrapassou a marca de 500 mil vidas perdidas.

"A China teve um surto completo. Ela começou, subiu, desceu e terminou. Tem 4.000 mortes na China até hoje. Era o surto que tinha na época para ser analisado: 4.000 mortes num país de 1,4 bilhão de habitantes nos levaram à ideia de que não seria uma coisa tão grave", disse Terra à CPI.

"O mesmo aconteceu com o surto da Coreia [do Sul], 185 mortes. No navio Diamond Princess, sete pessoas morreram em 3.500. Esses eram os dados, esses eram os fatos que tinham na época. E isso levou muita gente a fazer um julgamento otimista."

O parlamentar afirmou que não chegou a prever o surgimento de novas cepas do vírus, o que levou ao erro nas projeções de mortos. Também reconheceu não ter uma equipe de assessoramento epidemiológico.

"Eu não tenho estrutura nenhuma. Não sou gestor, não determino nada, não tenho recursos para isso. Eu sou uma pessoa que tem opinião e, como deputado, eu tenho obrigação de dar opinião. Se não nem justifica eu ser político, ter mandato. Eu sou obrigado a falar."

Terra afirmou que os estudos iniciais eram "apocalípticos" e que por isso muitos gestores passaram a defender o isolamento social. Ele atacou práticas como o lockdown, dizendo ser "fora da realidade" trancar as pessoas em casa por longos meses enquanto a vacina não era desenvolvida.

Ao atacar o isolamento, afirmou que essa medida não funciona e que uma prova disso seria a alta taxa de mortalidade nos asilos. "Eu quero chamar a atenção só para um dado aqui, que pra mim justifica: se isolamento funcionasse, não morria ninguém em asilo."

No entanto, especialistas alertam que a comparação não pode ser feita porque o fato de pessoas viverem em asilos não configura isolamento social. Esses moradores constituem uma comunidade na qual o vírus circula internamente, e funcionários e visitantes podem contribuir para infectar os internos. Além disso, trata-se de uma população extremamente vulnerável ao novo coronavírus.

Terra também repetiu o argumento bolsonarista de que o STF (Supremo Tribunal Federal) retirou as atribuições do presidente sobre as decisões tomadas na pandemia. E assim jogou a responsabilidade para os governadores, com quem Bolsonaro mantém relação conflituosa ao longo de toda a crise sanitária.

"Todos os governadores decidiram por fazer quarentena, lockdown, fique em casa, isolamento social. Então, essas 500 mil mortes não estão acontecendo em outro país em que o presidente podia decidir tudo", disse Terra.

O deputado relativizou declarações anteriores e disse que "nunca falou de imunidade de rebanho" como uma tese e que apenas constatou que essa imunização coletiva se dá ao fim das epidemias.

O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), apresentou um vídeo no qual Terra aparece defendendo a tese como forma de combater a pandemia. O deputado agora afirmou que essa imunidade coletiva é "consequência", é "como terminam todas as pandemias" e que isso é atingido em parte pela vacinação.

Ele disse ainda ser um defensor das vacinas e que elas foram a grande revolução da saúde, mas que as imunizações nunca foram desenvolvidas a tempo em pandemias.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), rebateu algumas falas do depoente, em especial quando declarou que a política infectou a ciência para se referir a ataques às medidas defendidas por Bolsonaro.

"Quem primeiro começou a falar de teses que não deram resultado positivo não foi nenhum de nós aqui [na CPI da Covid]", disse Aziz. "A política não infectou a ciência. Alguns políticos, como Vossa Excelência, sim, infectaram a ciência."
Já Renan afirmou que Terra é um dos líderes do negacionismo.

Apontado como um dos integrantes do gabinete paralelo, o deputado afirmou que tem influência zero sobre Bolsonaro. "Influência, eu diria que zero. Eu conversei mais com o [ex-ministro Eduardo] Pazuello", afirmou, ao ser questionado por Renan.

Terra evitou dar detalhes sobre suas conversas com o presidente a respeito da pandemia. Disse apenas que conversava sobre muitos assuntos com Bolsonaro.
"Sei lá. Eu, uma vez por mês, uma vez a cada 15 dias em alguns momentos [me encontro com Bolsonaro]. São encontros esporádicos que um deputado pode ter e tem a obrigação de ter."

"O presidente fala o que ele quer falar, ele fala do jeito que ele entende. Eu não tenho poder sobre o presidente de 'o senhor vai falar isso, vai falar aqui'. Isso não existe. Se eu tivesse esse poder, eu era o presidente, e ele era deputado. Não tem cabimento uma coisa dessas, querer imputar um poder sobrenatural para as pessoas. Ele ouve todo mundo, como todo mundo."

Terra também disse que não existe um gabinete paralelo, afirmando que se trata de uma ficção. Ele alegou que Bolsonaro escuta todas as pessoas, mas que isso não significa uma estrutura fixa de aconselhamento. Também afirmou que sempre defendeu as vacinas nesses encontros.

"Essa relação que tenho com o presidente é de amizade, assim como ele tem com muitos outros deputados. Quando, de vez em quando, o presidente me pergunta alguma coisa, eu falo."

Terra afirmou ainda que não tem contato com os possíveis membros desse gabinete, como a médica Nise Yamaguchi, o médico Luciano Azevedo e o virologista Paolo Zanotto, tendo encontrado com eles de forma esporádica.
Com depoimento inicialmente previsto para esta quarta-feira (23/06), o empresário Francisco Maximiano, sócio-administrador da Precisa Medicamentos, informou à CPI que cumpre quarentena após viagem à Índia e não poderá comparecer.

A Precisa é a representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, que desenvolveu a vacina Covaxin. O contrato para a aquisição dessa imunização entrou no radar da comissão, que suspeita de favorecimento.

"[Maximiano] poderia ter nos comunicado antes, aí a gente teria alguém para estar presente", afirmou Aziz em relação à programação desta quarta-feira. "Então estaremos transferindo a oitiva para a semana que vem." O novo depoimento de Maximiano será na quinta (30/06) ou sexta-feira (1º).

Aziz também afirmou que a comissão vai ouvir nesta sexta-feira (25/06) o servidor do Ministério da Saúde Luiz Ricardo Fernandes Miranda e o seu irmão, o deputado federal Luiz Miranda (DEM-DF).

Reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou que o servidor apontou uma pressão "atípica" para liberar a importação da Covaxin.

O depoimento inicialmente previsto para sexta com os especialistas Pedro Hallal e Jurema Werneck será antecipado para quinta (24/06). Neste dia, seria ouvido Filipe Martins, assessor de assuntos internacionais da Presidência da República, mas os senadores optaram por adiar a oitiva.

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