• Conto "Prisões", de Yêssa Cavalcante

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    São duas e meia da manhã. Meus dedos vorazes brigam com as teclas do notebook marcando a tela com pedaços de sonhos estranhos de dias anteriores. O quarto frio permanece iluminado apenas pela fraca luz azulada do computador, um quadro pintado por tinta preta no qual o foco adoece meus olhos lentamente.

    Olho para o lado, Samuel está agitado do sono. Ele está sempre agitado ultimamente. Respiro fundo e volto a escrever pesadelos até não conseguir mais enxergar as letras na ordem certa. Desligo o computador e deito em meu canto para dormir.

    Mal termino minhas orações quando o lado esquerdo da minha cama se mexe. Observo ainda de olhos fechados Samuel se levantar e ir para a porta. Espero ele sair para seguir seu caminho. Eu não sei se Samuel é sonâmbulo, ou se está apenas com sede, mas é melhor ter certeza do que está acontecendo. Escuto um barulho estranho do outro lado da porta e acelero meus passos. A escuridão me atrapalha, mas chego ao meu objetivo.

    Abro a porta velha de madeira com cuidado e a sorte me felicita com o silêncio. Espero uns segundos para que meus olhos possam se acostumar com a falta de luz e observo. Samuel está parado em frente ao sofá, encarando duas formas pequenas que estão deitadas ali. Meu peito gela. Não sei o que são, mas tenho certeza de que coisa boa não é. Seus corpos brilham, duas silhuetas de crianças com iluminação que parece própria, falhando e vibrando, enquanto recebem o toque desengonçado de Samuel.

    Eles não parecem zangados, mas também não parecem tristes, ou felizes. A verdade é que não dá para saber o que se passa dentro daqueles serem porque seus olhos são apenas mancha preta.

    Também tem o ar, denso e seco, carregado de algo que aloja em minha pele, queimando e tremendo. Tudo que essa cena me inspira é medo, e nada de bom pode vir do medo.

    Samuel continua lá, parado, com as duas mãos em cima daqueles seres. Tento seguir em frente, ou falar algo para interromper o que está acontecendo, mas me vejo paralisada, apenas observando meu amigo de anos dar permissão àqueles demônios para ficarem na minha casa.

     Meu coração está rápido, apesar de não sentir mais meu corpo, e assim me vejo quando tropeço para cima dele.

    — O que você está fazendo? — grito — Se você acha que irei permitir isso na minha casa está muito enganado!

    Samuel segura fortemente meus braços, tentando me impedir de fazer alguma loucura. Me sacudo debaixo dele. As duas imagens de crianças se encolhem no canto do sofá.

    —Você tem que parar! — Samuel sussurra —  Não grita!

    — Saiam daqui! — grito me direcionando às crianças — Vocês não têm permissão para ficar aqui! Saiam daqui em...

    — Silêncio! — exclama Samuel tampando minha boca — Você vai atrair a velha!

    Consigo me soltar depois de me sacudir violentamente. Samuel me olha diferente e me empurra de volta para o quarto fechando a porta atrás de si. Os espectros continuam no sofá da minha sala.

    — Você é louco! Que velha? Como espera que vou atrair alguma coisa sendo que você já permitiu que dois demônios ficassem na minha casa! — exclamo com a imagem daqueles olhos escuros na cabeça.

    É fácil ser enganado por aquelas imagens, afinal, se trata de duas crianças, um garotinho com camisa e shorts brancos e uma garotinha de vestido de babados, ambos maltrapilhos. Mas aqueles olhos, eu sei que há algo de errado com aqueles olhos, e a sensação que inspiravam no momento que os vi poderia ser tudo, menos inocência.

    — Fica calma. — Samuel pede, e sinto minhas bochechas serem esquentadas por lágrimas — Você precisa confiar em mim, eles não são demônios, estão fugindo da velha.

    — Do que você está falando?

    — Eles ainda estão vivos, pelo menos por enquanto. Precisam encontrar uma forma de voltarem para seus corpos antes que seja tarde demais.

    — Do que você está falando? — pergunto novamente.

    Samuel me puxa para a cama. Me sento ao seu lado. Suas mãos em meus braços queimam.

    — A velha os aprisionou no plano astral. Agora eles precisam encontrar uma forma de voltar para seus corpos antes que seja tarde demais. Eles são apenas crianças, precisam de ajuda. Eu preciso ajuda-los.

    Meus olhos estão arregalados. Não consigo acreditar no que ele diz. Samuel se deita no seu canto e com as mãos atrás da cabeça me encara. Ele está louco. Completamente louco.

    — Samuel, — falo — não existe isso de plano astral. Do que você está falando? Eles estão te enganando! Não tem como estarem vivos ainda! Você tem que tirar eles daqui logo!

    — Não, você é que precisa acreditar em mim! — ele se senta na cama e olha em meus olhos firmemente — Eu sei do que estou falando, já vi acontecer, já vi a velha, já quase fui sugado por seus olhos. Eu não posso deixar essas duas crianças sós. — ele pousa as mãos em meus ombros — Eu sinto muito por te colocar nessa, não esperava que isso aconteceria hoje, se soubesse desmarcava com você, mas aconteceu e preciso fazer alguma coisa. Desculpa mesmo, juro que amanhã darei um jeito. Agora vai dormir, não deixo que nada aconteça contigo.

    Olho para ele tentando falar algo. Suas palavras soam tão firmes, como se os dois espectros fossem apenas gatos de rua que ele quer criar. Mas não. Não são animais domésticos. Não tem nada de comum nessa situação. São translúcidos. Brancos. Seus olhos explodem escuridão. Não há nada de normal nisso.

    Infelizmente Samuel interpreta meu silêncio com concordância e se deita para dormir. Passo um tempo parada, estou dormente, com medo. Me deito também e cubro todo o meu corpo na tentativa de me sentir mais segura. Horas se passam, ou minutos, e eu não consigo dormir. O quarto está um breu, porém meus olhos já se acostumaram com a escuridão, e é assim que consigo ver os dois seres atravessarem a porta e entrarem no meu quarto. Abro a boca na tentativa de expulsá-los daqui ou de chamar Samuel, porém o peso em meu peito me impede de falar qualquer coisa. Noto que estou em um estado de profundo pânico e desespero, como nunca estive anteriormente. Permaneço gaguejando, me sinto uma pessoa engasgada com o próprio sangue enquanto assisto as duas crianças pararem ao meu lado e olharem para mim. Seus olhos são tão feios. Consigo ver dor neles. Os espectros permanecem assim por alguns longos segundos antes de voltarem para a porta e atravessarem de volta para a sala.

    Acordo de supetão com o som de cadeira sendo arrastada no cômodo ao lado. O dia amanheceu, o quarto está claro, Samuel não está mais aqui. Respiro algumas vezes antes de me levantar e caminho lentamente na direção da porta. Minha mão está tremendo quando giro a maçaneta. Tenho medo do que pode ter ali.

    Abro a porta. O resto do meu grupo de amigos está todo aqui. Amanda sentada no sofá permanece encarando o teto. Mateus está concentrado em seu notebook, provavelmente assistindo algo. Vitor se olha no espelho com a cabeça levemente torta. Dou alguns passos adentrando na sala. Samuel está na cozinha preparando algo para comer. Nenhum sinal das crianças. Respiro fundo e sigo em direção a poltrona que Mateus está sentado. Me sento perto dele para ver o que está assistindo e a imagem de uma velha me assusta. Sacudo a cabeça e saio de perto. A história da noite passada havia mexido demais comigo e não podia deixar isso acontecer. Provavelmente havia sido apenas mais um pesadelo. Saio de perto de Mateus e vou falar com Vitor. Ele é o mais preocupado com a universidade e provavelmente vai tagarelar um pouco sobre o trabalho que precisamos concluir. Nunca me preocupei muito com essas coisas mas pelo menos ajuda a distrair.

    — O que tanto olha aí? — pergunto — Tem alguma espinha nova?

    Porém não tenho uma resposta. Franzo o cenho e o encaro mais cuidadosamente, porém dessa vez pelo espelho. Ele parece assustado. Fico em alerta. Estou quase indo para perto de Amanda perguntar porque está todo mundo estranho hoje quando percebo uma mancha ganhar forma no espelho.

    A primeira coisa que vejo é sua roupa. Um vestido cinza de tecido duvidoso e folgado cobre seus ombros contornando o rosto acabado e branco que abriga olhos de piche. Tropeço ainda parada e grito. Samuel e Amanda aparecem rapidamente ao meu lado. Mateus vem logo atrás.

    — O que aconteceu? — Samuel pergunta.

    — Precisamos sair daqui. — exclamo e puxo eles na direção da porta.

    Porém algo parece estranho. Meu corpo está leve e dormente. Olho para trás e me engasgo. São todos espectros, todos os meus amigos. Olho para mim.

    — Samuel. — exclamo, nervosa.

    Ele não demora muito para se dar conta do que aconteceu. Não consigo sentir meu coração, apesar de tudo em mim estar agitado. Observo os olhos dos meus amigos começarem a escurecer. Eles, que não entendem nada, olham para Samuel e para mim tentando encontrar uma explicação.

    — O que fazemos? — pergunto.

    Samuel permanece em silêncio, pensando. Ele olha para trás. Seguimos seu olhar, nossos corpos estão espalhados pela sala. Me impulsiono para perto do meu, na tentativa de entrar nele, mas Samuel me impede.

    — Que foi? — pergunto.

    — Talvez haja uma chance de derrota-la assim.

    — Do que você está falando? — pergunto.

    —Do que vocês estão falando? — Amanda pergunta assustada — O que está acontecendo com a gente? Nós morremos? O que aconteceu?

    — Ela vive no plano astral. — Samuel diz alheio ao que qualquer um de nós falamos — Estamos no plano astral. Isso pode dar certo.

    — O que? — pergunto.

    Samuel olha para mim. Ele está estranho, se aproxima de mim e pega no meu braço. Não o sinto exatamente. Sinto apenas calor e algo mais. Vibração.

    — A gente pode derrota-la. — ele diz — Não vai ser fácil. Podemos não conseguir, mas não podemos deixar que ela continue fazendo isso com inocentes.

    Olho para meus amigos. Eles estão com medo. Também estou. Samuel sempre foi estranho, mas nunca esperei algo parecido com isso. Como explicar para eles o que está acontecendo? Como explicar para mim o que está acontecendo? Acho que vamos todos morrer.

    Olho para Samuel e digo:

    — Nós vamos conseguir.

     

     

     

  • Resenha do livro "Cristianismo Puro e Simples", de C. S. Lewis

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    Sinopse: Em um dos períodos mais sombrios da humanidade, a Segunda Guerra Mundial, C.S. Lewis foi convidado pela BBC a fazer uma série de palestras pelo rádio com o intuito de explicar a fé cristã de forma simples e clara. Mais tarde, ajustado pelo próprio Lewis, esse material daria origem a Cristianismo puro e simples, um grande clássico da literatura. Na obra mais popular e acessível de seu legado, Lewis apresenta os principais elementos da cosmovisão cristã, gradativamente conduzindo o leitor a temas mais profundos e complexos, provocando reflexão e debate. Nesta edição especial e com tradução de uma das maiores especialistas em Lewis do Brasil, você vai encontrar as palavras que encorajaram e fortaleceram milhares de ouvintes em tempos de guerra ― e ainda reverberam mais de 70 anos depois.

     

    Comecei a ler o livro Cristianismo Puro e Simples com expectativas altíssimas. C.S. Lewis tem nome e reputação admirados pelo mundo inteiro e, principalmente, por mim. Seus livros são maravilhosos, com histórias incríveis que dispensam apresentações. E não poderia ser diferente desta vez.

    Cristianismo Puro e Simples não foi livro desde o princípio – na verdade tratava-se de um programa na rádio que o autor apresentava, sendo assim, cada capítulo é a transcrição de um episódio. Mas isso não muda em nada sua complexidade e profundeza, pelo contrário, como o programa era apresentado semanalmente, o autor recebia o retorno dos ouvintes durante o percurso, o que o permitia explicar certos pontos confusos e, assim, potencializar a grandiosidade da obra.

    O livro traz reflexões de C.S. Lewis sobre alguns pontos-chaves do cristianismo. O autor, que antes era ateu, traz luz com uma sabedoria admirável a temas como o certo e o errado, o criacionismo e o evolução, a fé, a trindade, e várias outras teses que até hoje confunde a cabeça de muitos, cristãos ou não, os quais, justamente por isso, deveriam investir um pedaço de seus tempos na preciosidade que é a leitura deste livro.

    E sim, todas as minhas expectativas foram superadas.

     

     

     

  • Resenha do filme "O Grande Gatsby", disponível na Netflix

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    Sinopse: Na primavera de 1922, Nick Carraway chega a Nova York e vira vizinho do misterioso e festeiro milionário Jay Gatsby quando vai viver do outro lado da baía com sua prima Daisy e seu marido mulherengo Tom Buchanan. Assim, Nick é atraído para o mundo cativante dos ricos, suas ilusões, amores e fraudes. Ao testemunhar fatos dentro e fora do mundo em que habita, Nick escreve um conto de amor impossível, sonhos e tragédias que espelham conflitos em tempos modernos.

     

    Nick Carraway é um jovem sonhador, aspirante a escritor, que se mudou para Nova York na esperança de subir alguns degraus em sua carreira. O que não esperava era que sua pequena casa seria sombreada pela a mansão de um homem tão cercado de conquistas que chegava a beirar uma lenda.

    Seu quintal ficava lotado de automóveis e pessoas todos os finais de semana, fruto das grandiosas festas que tal homem proporcionava para qualquer um que quisesse aparecer por lá, e assim seguiu até o dia que Nick Carraway recebeu algo que ninguém nunca havia recebido anteriormente: um convite.

    Foi em uma dessas festas que ele conheceu Gatsby, o misterioso anfitrião que expelia vida através de seus poros, e logo começaram uma amizade que o fez descobri e ser inspirado pelas paixões e profundezas daquele homem tão ímpar.

    O Grande Gatsby é um filme que transborda poesia em cada mínimo elemento: as cores vibrantes que dão um aspecto lúdico, o cenário cheio de vida que nos faz mergulhar nos anos 20, a trilha sonora contrastante que utiliza músicas atuas capazes de controlar as batidas do nosso coração e a história emocionante da cumplicidade desenvolvida nos passos de uma amizade e de uma paixão arrebentadora capaz guiar as lutas e a vida até mesmo daqueles que são considerados invencíveis. É um deleite para nossos olhos e ouvidos.

     

     

     

  • Resenha do livro "Corte de Névoa e Fúria", de Sarah J. Maas

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    Sinopse:O aguardado segundo volume da saga iniciada em Corte de espinhos e rosas, da mesma autora da série Trono de vidro. Nessa continuação, Feyre, a jovem humana que morreu nas garras de Amarantha, assume seu lugar como Quebradora da Maldição e dona dos poderes de sete Grão-Feéricos. Seu coração, no entanto, permanece humano, incapaz de esquecer o que sofreu para libertar o povo de Tamlin e o pacto firmado com Rhys, senhor da Corte Noturna. Mas, mesmo assim, ela se esforça para reconstruir o lar que criou na Corte Primaveril. Então por que é ao lado de Rhys que se sente mais plena? Peça-chave num jogo que desconhece, Feyre deve aprender rapidamente do que é capaz. Pois um antigo mal, muito pior que Amarantha, se agita no horizonte e ameaça o mundo de humanos e feéricos.

     

    Obs.: Contém spoilers do primeiro livro.

     

    No livro Corte de Névoa e Fúria, a continuação de Corte de Espinhos e Rosas, Feyre não é mais a mesma mulher de antes – fora tirada de sua casa, levada para um lugar desconhecido, se apaixonado, sobrevivido a terrores inimagináveis, para acabar morrendo. Entretanto, a morte não foi a vencedora nesse conto de fadas, já que os sete Grão-Feéricos haviam doado um pedaço de seus poderes, nos quais sua vida agora poderia se prender.

    O que ela não poderia esperar era que a sua jornada intensa que salvara milhares de pessoas havia deixado um buraco dentro de si no lugar que antes costumava ficar os seus sentimentos. E é assim que ela tem que viver, sendo reconhecida e admirada como a Quebradora da Maldição por aqueles que não faziam ideia que os pesadelos a consumiam todas as noites e a prisão ainda a acompanhava mesmo depois de livre.

    Em Corte de Névoa e Fúria podemos ver o quanto o poder pode mudar a vida de alguém, além de como um povo cheio de magia precisa se desdobrar para manter a força e voltar a viver suas vidas depois de décadas debaixo de uma maldição. Mas, acima de tudo, podemos ver como a depressão pode ofuscar qualquer conquista e qualquer luz que até os mais fortes detém, e como um relacionamento abusivo pode diminuir uma mulher que salvou um mundo inteiro, mas que no fim também precisa ser salva.

     

     

     

  • Conto "Reminiscência", de Yêssa Cavalcante

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    No encontro das ruas 6 e 7 tem um senhorzinho que se senta em uma cadeira dobrável todas as noites. Ele fica lá, parado, encarando o nada como se realmente pudesse ver o tempo passar. Certo dia, quando voltava da faculdade após uma aula e um ônibus estressantes, resolvi parar por alguns segundos ao seu lado e perguntar se ele precisava de algo.

    — Não, estou bem, obrigado. — ele disse.

    Permaneci alguns segundos em silêncio. Eu realmente não estava com a cabeça boa naquele momento, tudo que queria era chegar em casa e tomar um banho gelado para ver se isso me afastava da rotina, mas quando me dei conta de que ir para casa era exatamente o que rotina significava, e quando vi o contraste do brilho com a pálpebra caída nos olhos daquele senhor, decidi insistir mais um pouco.

    — O senhor está esperando alguém? — perguntei.

    Ele olhou para mim de maneira que me fez parecer nu. Seu rosto enrugado era manchado por sinais e pelo sol. Ele não tinha a imagem da simpatia, mas também não parecia que estava me expulsando, para variar.

    — Todos nós estamos, não é mesmo? — ele disse — Todos nós esperamos por algo ou alguém.

    Ele não desviou os olhos, e isso me intimidou um pouco. Coloquei as mãos nos bolsos da calça e concordei levemente com a cabeça.

    — O que você está esperando? — ele perguntou quando eu não disse nada.

    Virei levemente a cabeça e o observei me olhar com expectativa. O que eu esperava? Bem, eu esperava chegar em casa e conseguir ler toda a terceira apostila da semana e terminar a resenha do livro da professora de ética, ao passo que queria ficar ali, comprar um lanche para aquele senhor e me certificar de que as coisas iriam ficar bem. Respirei profundamente e respondi:

    — Acho que tempo.

    Ele continuou me encarando, agora com um leve sorriso no rosto que me fazia sentir como se eu não soubesse de nada. Como ele não falou, continuei:

    — E o senhor? O que o senhor espera?

    Ele olhou para a parede do outro lado da rua.

    — Tempo… — ele disse, claramente ignorando a minha pergunta — Cronos… acho que a cronologia nos mata. — ele voltou a encarar meus olhos, dessa vez com um brilho diferente — Sabe o que eu quero? Pois bem, quero que o tempo chegue ao fim.

    Franzi o cenho. Não sei que resposta esperava, mas acreditava que teria mais a ver com família ou algo do tipo. Passei algum tempo analisando o velho antes de voltar a falar.

    — O senhor quer morrer? — perguntei com cuidado.

    Ele sorriu. Me intriguei com o som áspero de sua gargalhada.

    — Longe disso. — ele disse — Eu quero viver, mas sem ter que ficar preso ao tempo.

    Relaxei um pouco mais minha postura.

    — Ah, mas isso todos nós queremos. — falei.

    — Não. — ele afirmou — Vocês não sabem o que querem. Vocês abrem a boca para dizerem que querem mais tempo porque não sabem administrar o que tem, e tudo sempre acaba sendo insuficiente.

    — Então o que eu deveria querer? — perguntei.

    — Bom, que nunca tivesse existido o tempo, para início de conversa.

    — Desculpa, mas não estou compreendendo.

    — Ninguém compreende. — ele disse — Porque só é possível compreender o tempo quando compreendemos sua história, e isso é algo que a maioria das pessoas fogem.

    — Eu estou bem aqui. — falei.

    O velho me analisou como se procurasse descobrir se eu era alguém que valia o esforço. Permaneci no meu lugar indo para frente e para trás sobre meus calcanhares. Estar ali não fazia parte dos meus planos, mas já que estava, precisava chegar à completude do momento. O senhor estava na minha frente. Uma vida que esbarrou na minha. Mais uma história para me constituir. Sentei-me no chão e esperei.

    — Então… você gosta de histórias. — ele comentou.

    — Um pouco. — falei.

    — Tudo bem, mas, só para deixar claro, isso não é uma história, é uma verdade.

     

    *

     

    Quando o mundo era um bebê, lá no início da sua respiração, havia o Kairós com toda a sua peculiaridade que envergonhava a perfeição. Cobria a existência como um rio que aos olhos dos homens aparentava desconexo, mas sua profundeza abrigava águas tranquilas que seguiam o fluxo na maneira que deveria seguir.

    O Kairós não podia ser considerado tempo, uma vez que não havia início, meio ou fim, só havia o Existir, em sua plenitude.

    O homem, aqui na Terra, pertencia ao Kairós, uma vez que era puro e inocente, e, da mesma forma, era agraciado pela ausência do fim, sendo assim, seus dias eram apenas caminhos que levavam à perfeição.

    Até que a inocência foi corrompida pela ambição do saber, e o homem antes puro e inocente, passou a ser dominado pela ciência dos caminhos perigosos a serem explorados.

    Um homem que conhece o mal tem o risco de cometê-lo, e essa mancha em sua essência o tornou inapto para viver submerso em uma realidade na qual o fim era desconhecido, pois enquanto há vida em um homem, há a chance do mal existir. E foi exatamente por isso que as águas tranquilas de Kairós deram lugar para que as águas passageiras de Cronos tivessem a chance de no final do dia sempre levar o lixo consigo.

    O defeito é que ninguém pode controlar a correnteza. Cronos é indomável, não tem limite no que toma, arrasta tudo que encontra pela frente para um fim desgastante, até não haver mais esperanças. E assim continua, dia após dia, com a terrível certeza de que tudo que abriga um momento terá um fim. 

    E assim seguirá até que Kairós retome seu lugar de direito, quando toda sujeira for aniquilada a ponto de ninguém mais conhecer o sofrimento. Até que Cronos seja dominado pela inutilidade.

     

    *

     

    O senhor respirou fundo quando terminou a história. Era um relato interessante, elaborado. Seus olhos sempre brilhantes desenhavam cada palavra como se fizessem parte de si. Ele não parecia cansado, muito menos abalado pela idade, parecia alguém firme, como se conhecesse mistérios.

    — Seria um sonho viver em um mundo assim, com o Kairós. — falei para instigá-lo, quando percebi que ele não continuaria a falar.

    — Nenhum sonho consegue alcançar a grandiosidade do que se é viver a plenitude. — ele disse.

    O encarei novamente, dessa vez por mais tempo. Ele parecia tão firme e ao mesmo tempo tão frágil. Se você observasse direitinho, poderia até dizer que ele tinha as marcas de Cronos em seu corpo e a marca de Kairós em seus olhos. Ele era tão convicto que parecia até que a narrativa fazia parte da sua realidade.

     — E como o senhor sabe dessa história? — perguntei, intrigado pela origem de algo tão fantástico e ao mesmo tempo tão real na voz grossa daquele senhor.

    — A memória também é uma sabedoria. A maior delas. — ele disse, apenas.

    — O que o senhor quer dizer com isso? — perguntei.

    Ele respirou fundo, pensativo, antes de responder.

    — A memória é uma das duas únicas coisas que possuem o poder de desafiar o tempo. Repare, quando o Cronos exerce o seu domínio, quando ele decide limitar a vida dividindo-a em períodos de tempo que são denominados dias, quando ele faz com que cada ciclo tenha um fim, é a memória que faz com que o que passou permaneça vivo, mesmo que não exista mais.

    Permaneço um tempo em silêncio, refletindo sobre suas palavras.

    — O quê mais? — pergunto.

    Ele franziu o cenho, levemente confuso.

    — O senhor disse que a memória é uma das duas únicas coisas que podem desafiar o tempo. Qual é a segunda coisa.

    — Você quer dizer a primeira. — ele disse.

    Dei de ombros, sem compreender o que ele queria dizer.

    — A primeira coisa que pode desafiar o tempo é quem a criou, é claro. — ele disse com convicção — quem tem Cronos e Kairós nas palmas das mãos.

    Estava prestes a perguntar algo que me ajudasse a compreender melhor o que ele queria dizer quando o velho se levantou, pegou a pequena cadeira e dobrou-a. Atordoado com a rápida mudança, fiquei sem saber o que falar, pelo que acabei perguntando:

    — Qual é mesmo o seu nome?

    Ele sorriu levemente para mim sem dizer nada e seguiu seu caminho, ainda em silêncio.

     

     

    Depois dessa noite, nunca mais o vi, ele se fora para sempre, me deixando com nada mais além dessa memória.

  • Resenha do livro "As 5 Linguagens do amor", de Gary Chapman

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    Sinopse: As diferenças gritantes no jeito de ser e de agir de homens e mulheres já não são novidade há tempos. O que continua sendo um dilema é como fazer dar certo uma relação entre duas pessoas que às vezes parecem ter vindo de planetas distintos. Compreender essas diferenças é parte da solução e é nisso que Gary Chapman vai ajudar você. Com mais de 30 anos de experiência no aconselhamento de casais, ele percebeu que cada um de nós adota uma linguagem pela qual damos e recebemos amor. Quando o casal não entende corretamente a linguagem predominante de cada um, a comunicação é afetada, impedindo que se sintam amados, aceitos e valorizados. Nesta terceira edição de sua clássica obra sobre relacionamentos, que já vendeu mais de 8 milhões de exemplares, Gary Chapman não só explica as cinco linguagens como apresenta um questionário para os maridos e outro para as esposas descobrirem a sua linguagem de amor. Além disso, uma seção especial de perguntas e respostas vai esclarecer todas as suas dúvidas e lhe dar o direcionamento sobre como expressar melhor seu amor a seu cônjuge e ajudará você a compreender a forma dele manifestar o amor. Gary Chapman identificou cinco formas através das quais as pessoas expressam e recebem as manifestações de amor: palavras de afirmação; tempo de qualidade; presentes; atos de serviço; toque físico. Aprendam, você e seu cônjuge, a se comunicar através dessas linguagens e experimentem como é ser realmente amado e compreendido.

     

    O motivo de eu ter decidido iniciar a leitura deste livro foi puramente influência digital. Ouvi tanto falar sobre que acabei me rendendo a descobrir um pouco mais desse conhecimento que descobri ser extremamente essencial para qualquer relação – seja conjugal ou não.

    De acordo com Gary Chapman, existem 5 linguagens do amor, que são: tempo de qualidade, palavras de afirmação, presentes, toque físico e serviços. Sendo assim, descobrir a linguagem do amor que você e a pessoa com quem convive falam é extremamente importante, para que ambos possam ter harmonia, além de facilitar a compreensão de atitudes que podem gerar conflitos por se tratar de uma linguagem diferente.

    Algo extremamente relevante que encontrei na leitura foi a importância da ausência do orgulho. É um fato explanado abertamente pelo autor, demonstra ser o ponto chave de qualquer relacionamento, e isso é explicitado quando descobrimos que a principal importância de aprender as linguagens do amor é para que se possa aprender a falar a linguagem do seu parceiro. Não é exatamente sobre si, mas sobre o outro. Sobre a reciprocidade. Porque quando um coloca os interesses do parceiro como prioridade e o outro faz o mesmo, ambos saem saciados.

    O livro em questão trata-se sobre relacionamentos conjugais, mas existem exemplares dedicados a vários tipos de relacionamentos (irmãos, amigos, etc.). Vale muito a pena ler. Nenhum resumo ou comentário consegue chegar aos pés do conhecimento retratado por Gary Chapman, e é através da leitura que você conseguirá enxergar melhor a si e ao próximo, além de aprender a dominar e desenvolver tais situações.

     

     

     

  • Resenha do filme "Mary Shelley"

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    Sinopse: Filme de época baseado na história verídica de Mary Wollstonecraft Godwin, mais conhecida com Mary Shelley, e na sua relação com o poeta romântico Percy Bysshe Shelley.
    No início de século XIX, Mary Godwin conhece um amigo do pai, Percy Shelley, um homem casado por quem se apaixona. Acabam por fugir os dois para viajar pela Europa e Mary engravida. De volta a Inglaterra, são ostracizados pela relação e pelas ideias progressistas que passam a defender. Em 1918, após dois anos e a morte prematura da filha de ambos, para escapar à crescente marginalização e opressão de que vão sendo vítimas, decidem fugir para a casa de Lord Byron, no Lago Genebra. Durante a estadia, este poeta lança o desafio aos hóspedes para que escrevam contos de terror. Surgiria assim o célebre romance gótico "Frankenstein". Mais do que a história de um amor e da génese de um dos clássicos da literatura, "Mary Shelley" apresenta-nos o retrato de uma sociedade e reflecte sobre o papel da mulher e das suas lutas, como escritora em busca de reconhecimento. Um filme realizado pela saudita Haifaa al-Mansour ("O Sonho de Wadjda") e escrito por Emma Jensen, com Elle Fanning no papel de Mary Shelley, Douglas Booth como Percy Blysshe Shelley e Tom Sturridge como Lord Byron.

     

    Mary Shelley cresceu cercada por livros. Filha de dois escritores, tinha constante contato com a leitura, e foi assim que descobriu sua paixão pelo terror. Vivia mergulhada nessas histórias, ávida, insaciável, e, justamente pelo ambiente que se encontrava, era esperado que a escrita aflorasse a ela da mesma forma que acontecera com os pais, entretanto, poemas de terror e textos não muito originais era apenas o que conseguia produzir.

    O tempo foi passando, ela conheceu um jovem poeta por quem se apaixonou, vivenciou experiências diversas, excêntricas, alegres e desastrosas, frutos da ânsia e da rebeldia, até que uma dessas acabou a levando a passar um período em uma casa com Lord Byron, o marido e alguns amigos. Foi em uma noite chuvosa que surgiu a ideia, todos entediados pela limitação de entretenimento que a casa proporcionava, resolveram fazer uma aposta: cada um iria produzir algo que passeasse pelo universo sobrenatural. E foi assim que Frankenstein foi concebido.

    O filme, disponível na Netflix, é extremamente aconchegante e inspirador. Relata a criação de um dos livros mais conhecidos e comentados da literatura mundial e coloca em foco algo que é extremamente importante e que muitas vezes não damos a devida atenção: o processo. Foi naquela casa do lago que Frankenstein passou a existir, mas foi resultado de anos de vivência que caminharam e moldaram o que a obra viria a ser, e este filme explana de maneira poética a construção da primeira obra de ficção científica que o mundo conheceu, e a luta de uma mulher para realizar o sonho, ter a liberdade de escrever sobre o que deseja e ser reconhecida por isso.

     

     

     

  • Resenha do livro "Corte de Espinhos e Rosas", de Sarah J Maas

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    Sinopse: Ela roubou uma vida. Agora deve pagar com o coração. Nesse misto de A Bela e A Fera e Game of Thrones, Sarah J. Maas cria um universo repleto de ação, intrigas e romance. Depois de anos sendo escravizados pelas fadas, os humanos conseguiram se libertar e coexistem com os seres místicos. Cerca de cinco séculos após a guerra que definiu o futuro das espécies, Feyre, filha de um casal de mercadores, é forçada a se tornar uma caçadora para ajudar a família. Após matar uma fada zoomórfica transformada em lobo, uma criatura bestial surge exigindo uma reparação. Arrastada para uma terra mágica e traiçoeira — que ela só conhecia através de lendas —, a jovem descobre que seu captor não é um animal, mas Tamlin, senhor da Corte Feérica da Primavera. À medida que ela descobre mais sobre este mundo onde a magia impera, seus sentimentos por Tamlin passam da mais pura hostilidade até uma paixão avassaladora. Enquanto isso, uma sinistra e antiga sombra avança sobre o mundo das fadas e Feyre deve provar seu amor para detê-la... ou Tamlin e seu povo estarão condenados.

     

    Corte de Espinhos e Rosas é um livro fantástico – no sentido literal e figurado. Um universo encantador que desentranha da ideia de contos de fadas, tem origem na curiosidade da autora que arriscou em redesenhar o famoso conto “A Bela e a Fera”. Na verdade, fadas são o que não faltam no livro. A história passeia por um mundo que separa seres humanos de seres feéricos com um muro feito de magia. Do lado norte, seres terríveis e poderosos amedrontam aqueles que vivem do lado sul, pessoas comuns, sem poderes, que apenas tentam viver suas vidas normalmente sob o peso do medo da mágica, que mantém o muro firme, de alguma forma falhar.

    Feyre, uma garota de dezenove anos, vive do lado sul com as duas irmãs e o pai recentemente falido. Para não morrer de fome, aprendeu cedo a caçar, e isso garante o sustento da família, já que o pai não demonstra interesse em ajudar de alguma forma. Foi assim que ela viu sua vida entrelaçada pelo mundo feérico, já que pelo rumo do destino, acabou matando um dos seres do Norte e, como punição, foi arrastada para as terras terríveis e desconhecidas: uma vida por outra vida. E é por no meio dessa apavorante sentença que Feyre vê tudo que conhece sobre si, seus sentimentos, sua força e sua realidade mudar completamente.

    Corte de Espinhos e Rosas é um livro sobre descobertas, batalhas, paixões e lealdade, com uma protagonista que desbrava seus mais intensos medos para lutar pela própria vida e pelo seu lar, seja ele no lado Norte ou Sul. Com mais de quatrocentas páginas intensas, faz com que você possa viajar através de realidades encantadoras, com orelhas pontudas, poderes mágicos e um romance intenso cheio de reviravoltas. Vale a pena ler!

     

     

     

  • Uma reflexão sobre quem você é

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    As pessoas dizem que não conseguem ser calmaria, como se a calmaria fosse um dom negado a elas, mas o que não sabem é que a paz muitas vezes esconde uma guerra silenciosa que machuca sem precisar do fogo.
    Lembro de todas as vezes que elogiaram minha tranquilidade. Também me lembro da agitação que meu corpo continha nesses momentos. Lembro de todas as vezes que meu grito pediu para sair e foi barrado.
    Aprendi da pior forma que ser independe de diversos fatores: é a gente que é, não o que dizem.
    Então seja. Independente.

    -Yêssa Cavalcante

     

     

     

     

  • Poema: Caminhos

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    não sei guiar minhas verdades
    em outra direção
    sem ficar perdida
    em algum canto perto
    daquele beco esquisito.
    sou cheia de desconfianças
    e na medida que estico
    fica mais difícil enxergar
    quem está do lado mais perto.
    é tanta lama que nem sempre dá pra diferenciar
    quem está sujo de quem é sujo
    é uma maratona
    que só chega quem sabe o que realmente é
    estar perdido.

    CAMINHOS, Yêssa Cavalcante

     

     

     

     

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