Corrupção destemida -

Conselheiro Luciano Nunes: mesmo sabendo de desvios, TCE vai ficar com “cara de mané?"

 

Por Rômulo Rocha - Do Blog Bastidores

 

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- Quando revelou o caso, em 2015 - inúmeros convênios suspeitos envolvendo a FCAMC, o jornalista titular do Blog Bastidores foi alvo de quatro queixas na polícia por calúnia e difamação e avisado que se as matérias continuassem, mais queixas ocorreriam. E para cada uma das matérias. Gente da própria polícia civil era quem dava o recado. 

- “A princípio era só licitação, depois veio para aluguel de carro, compra de remédio, compra de merenda, agora está em venda de cursos. A corrupção só está mudando de estratégia, mas ela continua do mesmo jeito”, diz conselheiro sobre os muitos esquemas existentes no Piauí. Políticos não são presos no estado. Na verdade, em casos como esse, ninguém o é. 

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_Conselheiro do TCE Luciano Nunes (Foto: Reprodução)
_Conselheiro do TCE Luciano Nunes (Foto: Reprodução) 

ELES SABEM. AO MENOS ISSO

Ao julgar o caso envolvendo a Fundação Centro de Apoio ao Menor Carente (FCAMC) - a então 'queridinha' dos políticos piauienses para destino de emendas - e a Secretaria do Trabalho, em um convênio para lá de suspeito, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE) Luciano Nunes, ao ver que só a fundação e uma outra empresa, iriam ser punidas, mesmo havendo o destino de emenda estadual parlamentar para a fundação fazer um evento suspeito e mesmo a pasta responsável tendo que fiscalizar a aplicação desses recursos, pediu a palavra e cobrou uma postura mais eficaz da Corte para punir os responsáveis. Também sugeriu que não ficassem ali com “cara de mané”, mesmo sabendo de tudo.

“Os agentes envolvidos não são só a empresa. A empresa é o instrumento do desvio de dinheiro. Se você for ver a dimensão dessas empresas que são contratadas, normalmente são empresas inexpressivas. E se você imputar um débito para uma empresa dessas é do [empresário] ficar rindo da sua cara, porque não tem a menor condição de ressarcir o erário. E por que ela [empresa] não tem? Porque ela [a empresa] foi usada exclusivamente para desviar o dinheiro. E ela fica com o pescoço na guilhotina. O que está acontecendo aqui é isso”, disse. 

“Quando nós julgamos um processo desse nós temos que colocar a responsabilidade na secretaria e encontrar uma maneira de chamar a atenção da Assembleia Legislativa para colocar a responsabilidade no deputado [também], porque do jeito que vai… O que está acontecendo é um desvio explícito de dinheiro, sem que se possa fazer nada”, falou.

“CARA DE MANÉ”

“Aí imputa débito para fulano e [para] o gestor não. Onde é a fonte do ilícito? Onde é que fica? Então minha gente, nós vamos ficar aqui com cara de mané mesmo, sabendo de tudo? Nós estamos sabendo de tudo que está acontecendo. Se esse Tribunal disser que ignora... Agora assim, não consta do processo. Mas o desvio está acontecendo, o rombo está acontecendo. Tem que ter mecanismo [de combate]”, cobrou.

No caso específico da FCAMC, ela havia conseguido um convênio de R$ 2,4 milhões, mesmo sem estrutura, junto à Secretaria de Estado do Trabalho, para "promoção de ações de incentivo e capacitação ao empreendedorismo feminino nos seguintes municípios: Teresina, Piripiri, Oeiras, Elesbão Veloso, Palmeirais, São Gonçalo, Picos, Cajazeiras e Colônia do Piauí".

Ainda chegou a ser pago R$ 1,2 milhão. A aplicação da dinheirama, no entanto, foi justificada com o uso de notas fiscais consideradas falsas. Hoje o montante a ser devolvido ao erário é da ordem de R$ 1,6 milhão.

Ninguém no estado, nenhum órgão de controle até agora, ao menos diante do que se apurou, abriu investigação para descobrir quem foi o beneficiário final dos muitos milhões repassados à FCAMC ao longo de anos, que suspeita-se, voltava para a mão de politicos e outros agentes.

Apenas o promotor Fernando Santos atuou de forma imediata para estancar a sangria. Ele teria conseguido que a fundação parasse de receber recursos públicos após a publicação das matérias jornalísticas

O dinheiro recebido por essa fundação também foi usado para pagar meios de comunicação e agência de publicidade, que cuidavam da imagem da fundação, altamente protegida por autoridades do mais alto calibre. Isso após as inúmeras matérias do Blog Bastidores

DINHEIRO VAI PARA “QUEM NÃO BOTA A DIGITAL”

Ao tratar sobre os muitos casos semelhantes que tramitam na Corte de Contas, Luciano Nunes chegou a dizer que estão pegando só quem emitiu a nota, “que evidentemente é um laranja, é uma pessoa que é colocada ali com o fim específico de fazer aquele desvio de dinheiro”, mas que “aquele dinheiro vai para a mão de uma pessoa que nenhuma digital tem. Que só recebe o grosso do dinheiro e não bota uma digital. Aqui [no estado] está cheio”.                                                                                                            

Promotor Fernando Santos, dos Feitos da Fazenda Pública. Ele atuou para estancar sangria
_Promotor Fernando Santos, dos Feitos da Fazenda Pública. Ele atuou para estancar sangria que existia através da FCAMC

             

VEJA MAIS DECLARAÇÕES FORTES DO CONSELHEIRO:_________

“SÓ EMPRESAS SÃO PEGAS”

“Nós temos aí três agentes envolvidos no processo. Nós temos o deputado. É o dono da emenda, não é? Nós temos a secretaria, que é o operador da emenda. Nós temos as firmas [empresas e fundações sem estrutura], que são o executor da emenda. Agora, quem efetivamente é pego? Onde é que se pega? Se pega na empresa. Ela executa ou não executa o serviço e ela emite um documento fiscal. Daí você pode atestar a veracidade ou não desse documento. Saber se aquela nota é verdadeira, se corresponde ao serviço prestado ou saber se aquela nota é um mero instrumento de prestação de contas. Então o único setor que efetivamente você pega, que tem uma prova palpável de que não foi feito o serviço, com fraude comprovada, é com a empresa”

 

“DESVIO EXPLÍCITO”

“Quando nós julgamos um processo desse, nós temos que colocar a responsabilidade na secretaria e encontrar uma maneira de chamar a atenção da Assembleia Legislativa para colocar a responsabilidade no deputado, porque do jeito que vai… O que está acontecendo é um desvio explícito de dinheiro, sem que se possa fazer nada. Se pega, se vê o desmando. Se caracteriza o desmando, se sabe que houve o desmando. Eu pergunto: e na hora de receber o serviço, quem fiscaliza a qualidade do serviço? Quem fiscaliza a operacionalidade do serviço? Quem prova que aquele serviço foi aprovado a contento? A dimensão? O valor daquele serviço? Aquela nota é verdadeira? É compatível com a importância do serviço? Não. Mas aí o cara pega só quem emitiu a nota, que evidentemente é um laranja, é uma pessoa que é colocada ali com o fim específico de fazer aquele desvio de dinheiro. E aquele dinheiro vai para a mão de uma pessoa que nenhuma digital tem. Que só recebe o grosso do dinheiro e não bota uma digital. Aqui está cheio”. 

 

“DIVISÃO DE RESPONSABILIDADES”

“Eu também estou com um problema desse aqui. Aí imputa débito para fulano, e o gestor não. Onde é a fonte do ilícito? Onde é que fica? Então minha gente, nós vamos ficar aqui com cara de mané mesmo, sabendo de tudo? Nós estamos sabendo de tudo que está acontecendo. Se esse Tribunal disser que ignora.. Agora assim, não consta do processo. Mas o desvio está acontecendo, o rombo está acontecendo. Tem que ter mecanismo. Se você não juntar os três agentes e dividir a responsabilidade com todos os três, não vai ter a solução não. Vão botar lá a responsabilidade para uma [firminha] que tem 5 mil réis de capital para devolver um milhão. Ela vai devolver com que? Ela vai pagar com que? Ela tem ao menos nome para responder por isso? Ela tem patrimônio para responder por isso? Ela não tem nada, absolutamente nada. Está claro. Está na cara da gente. Na tela. E se nós não tivermos um mecanismo de mudança disso aí, as coisas vão migrando”. 

 

“A CORRUPÇÃO SÓ ESTÁ MUDANDO DE ESTRATÉGIA”

“A princípio era só licitação, depois veio para aluguel de carro, compra de remédio, compra de merenda, agora está em venda de cursos. A corrupção só está mudando de estratégia, mas ela continua do mesmo jeito. Eu estou com o mesmo problema para relator, mesmíssima coisa. Nós agora nos especializamos em relatar o óbvio”.

 

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