Suspensão dos Direitos Políticos -
A cronologia das decisões e desembargadores autores no polêmico caso envolvendo Joãozinho Félix
Por Rômulo Rocha - Do Blog Bastidores
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- Prefeito de Campo Maior segue no mandato mesmo após ter perdido prazo para interposição de recurso contra sentença que suspendeu seus direitos políticos
- Até advogado parente de desembargador foi escalado para defender João Félix no Tribunal de Justiça
- Como os desembargadores se posicionaram
- O afastamento dos dois primeiros relatores
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CASO TRAMITA NO TJ DE 2021 AOS DIAS ATUAIS
O processo que resultou na condenação do prefeito de Campo Maior Joãozinho Félix por improbidade administrativa, culminando, entre outras sanções, na suspensão dos direitos políticos do gestor público por cinco anos, e que tramita há quase 4 anos no Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI), foi de um caso simples a um caso polêmico, que desperta várias discussões e opiniões, mesmo depois de já ter sido constatado pela Corte de Justiça estadual que houve perda de prazo para contestar a sentença que imprimiu condenação ao político por práticas com dolo.
Abaixo seguem os principais acontecimentos, autores das decisões no TJ, o contexto em que ocorreram e sobre o que decidiram, e em que pé está o processo:
1 - Após o recurso de apelação, o desembargador OLÍMPIO JOSÉ PASSOS GALVÃO, em decisão monocrática, não conhece do recurso de Joãozinho Félix por “falta de pressuposto extrínseco de admissibilidade”, em face de sua “flagrante intempestividade”.
2 - Diante da decisão, a defesa de João Félix interpôs um recurso denominado de Agravo Interno (meio de impugnação de decisão monocrática proferida pelo Relator do recurso), argumentando que a Ação de Improbidade Administrativa foi julgada procedente sem que o Ministério Público tivesse sido intimado em qualquer fase do processo e, sendo tal fato vício insanável, pede a nulidade da sentença com retorno do processo ao juízo de origem para regular intervenção do Ministério Público. Argumentou ainda que houve decisão surpresa quando Félix não foi chamado para se manifestar sobre a intempestividade.
3 - Também relator do agravo, o desembargador OLÍMPIO JOSÉ PASSOS GALVÃO, alega, em seu voto, que os argumentos trazidos pela defesa de Joãozinho Félix não podem ser apreciados porque o recurso “foi protocolado 10 dias úteis após o prazo legal de 15 dias úteis”. Ou seja, intempestivo. A decisão do plenário virtual da Terceira Câmara de Direito Público foi unânime. Seguiram o voto do relator o então desembargador RAIMUNDO NONATO DA COSTA ALENCAR (convocado) e o juiz designado JOÃO GABRIEL FURTADO BAPTISTA.
No acórdão do Agravo Interno em Recurso de Apelação também ficou decidido que “a sentença que suspendeu os direitos políticos do agravante [João Félix] não terá eficácia antes do seu trânsito em julgado, mormente porque isso afrontaria diretamente o art. 20, da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), que diz: “a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.””
O EVENTUAL TUMULTO
4 - A defesa de João Félix ingressa com um outro recurso, embargos de declaração, com efeitos infringentes, visando mudar o entendimento do julgado anterior. E logo em seguida, a defesa do político peticiona novamente no processo, alegando que entrara em vigor a Lei nº 14.230/2021 (Nova Lei de Improbidade Administrativa) e que “tais alterações, mais benéficas ao recorrente, devem ser aplicadas ao presente caso”. Alegaram que Félix “foi condenado pela prática do ato de improbidade previsto no artigo 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92.”
Que tai artigo “foi revogado pela Lei nº 14.230/2021 (Nova Lei de Improbidade), de modo que, nos termos da tese fixada com repercussão geral pelo STF nos autos do ARE nº 843.989, devem as alterações da Nova LIA retroagir no presente caso, considerando: (i) que o processo não transitou em julgado, inexiste a certificação do trânsito em julgado nos autos (pendente julgamento de recurso); (ii) o STF ao reconhecer a retroatividade da Nova LIA para casos culposos que deixaram de ser considerados atos delituosos, também reconheceu a sua aplicabilidade nos casos em que a conduta deixou de ser considerada ato de improbidade administrativa (abolitio)”.
Atenta ao caso, a procuradora de Justiça TERESINHA DE JESUS MARQUES sustenta, por sua vez, que as modificações da Nova LIA não se aplicam ao caso de João Félix, porque como dispõe a sentença, ele foi condenado por dolo e não na forma culposa. Além de que, segundo a integrante do MP-PI, há muito o caso estava findado, vez que perderam o prazo do recurso de apelação.
5 - O mesmo relator dos recursos anteriores, desembargador OLÍMPIO JOSÉ PASSOS GALVÃO, conheceu “do recurso de Embargos de Declaração [de Joãozinho Félix], para acolher a questão de ordem suscitada pelo embargante, reformando a decisão monocrática que inadmitiu a apelação, bem como a sentença primeva [primeira], a fim de julgar totalmente improcedentes os pedidos iniciais, afastando-se, por consequência, a condenação imposta ao embargante de perda dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos”. O então desembargador RAIMUNDO NONATO DA COSTA ALENCAR (vinculado) acompanhou o voto do relator, formando maioria.
Como houve um voto contrário, portanto a votação não foi unânime, ocorreu a ampliação de quórum, e adiamento da votação após pedido de destaque do então desembargador RAIMUNDO NONATO DA COSTA ALENCAR. Quando do retorno para votação, entretanto, é descartada a necessidade de ampliação do quórum e o placar se mantém 2 a 1 a favor de Félix.
Chamou atenção, no entanto, nesse caso, os FORTES argumentos do voto vencido, do juiz de Direito em substituição no 2º grau, DIOCLÉCIO SOUSA DA SILVA. Segundo o magistrado, “ao contrário do alegado pelo agravante, ora embargante [Joãozinho Félix], no presente feito não há como ser afastada a intempestividade”. Além do mais, “verifica-se que, de fato, o Juízo de primeiro grau considerou a realização de prática inconteste de ato de improbidade administrativa, inequivocamente e comprovadamente ”dolosa”, por parte do autor, conforme se depreende, inclusive, da leitura de parte do julgamento”. Ou seja, a mudança na LAI não beneficiaria João Félix. E de imaginar que o político sequer poderia estar discutindo o mérito da condenação porque perdeu o prazo do recurso de apelação.
6 - A procuradora de Justiça TERESINHA DE JESUS MARQUES ingressa com um recurso, um embargos declaratórios com efeitos infringentes, para mudar o entendimento exarado pelo desembargador OLÍMPIO JOSÉ PASSOS GALVÃO e o então desembargador RAIMUNDO NONATO DA COSTA ALENCAR (vinculado). Diz a integrante do MP-PI: “O pressuposto da tempestividade recursal é insanável, vigorando o trânsito em julgado que, de acordo com a doutrina, se dá automaticamente, quando decorrido o prazo legal de interposição do recurso. A questão emergente do julgamento dos Embargos de Declaração sob discussão, contraria todo o ordenamento jurídico, o que, aliás, é sustentado no VOTO DIVERGENTE do magistrado que compôs a egrégia Câmara de julgamento [juiz de Direito em substituição no 2º grau, DIOCLÉCIO SOUSA DA SILVA].” Também foi alegado que a condenação imposta a Félix foi por dolo e não por culpa, não merecendo ser reformada com as diretrizes da NOVA LAI, até porque a perda de prazo para recorrer da sentença e manter o mérito do processo em discussão não foi obedecido.
7 - O relator do caso desembargador OLÍMPIO JOSÉ PASSOS GALVÃO toma posse como Corregedor Geral de Justiça do TJ/PI para o biênio 2023-204 e deixa a relatoria dos embargos do MP-PI. Assume a relatoria o desembargador FERNANDO LOPES E SILVA NETO. A defesa de Félix tenta afastar o novo relator, mantendo o desembargador anterior, mas não consegue.
UMA SUPOSTA MANOBRA
8 - Antes dos embargos irem a julgamento o então advogado de Joãozinho Félix sai do caso e substabelece sem reserva de poderes para um outro advogado que tinha parentesco de 3º grau com o novo desembargador relator FERNANDO LOPES E SILVA NETO. O novo advogado requer um dia antes da votação a retirada de pauta do feito para estudar o processo.
Em ato decisório o desembargador FERNANDO LOPES E SILVA NETO sustenta que “para que o pedido de retirada de pauta seja analisado pelo relator, o peticionante deve utilizar o tipo de documento “petição de sustentação oral ou retirada de pauta”. Não utilizado o tipo de documento correto, o pedido de retirada de pauta será considerado inexistente”, como o que ocorreu. Em outra frente argumentativa sustenta o desembargador que a parte não pode criar fato superveniente para impedir magistrado de atuar no caso. “É vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz", cravou. Dessa forma o integrante do TJ não aceita a habilitação do advogado, sendo que o anterior não poderia deixar a causa antes de um prazo limite, não expirado ainda.
9 - Nesse contexto o julgamento dos embargos com efeitos infringentes do MPE ocorrem. E o resultado é o que ganhou notoriedade na imprensa. À unanimidade os desembargadores da Terceira Câmara de Direito Público do TJ entenderam que João Félix perdeu o prazo para recorrer da sentença que o condenou por dolo em primeira instância, teve suspenso os direito políticos por cinco anos e, em sendo assim, já era.
Seguiram o voto do novo relator FERNANDO LOPES E SILVA NETO, o desembargador AGRIMAR RODRIGUES DE ARAÚJO, e ajuíza designada HAYDEÉ LIMA DE CASTELO BRANCO. O desembargador RICARDO GENTIL EULÁLIO DANTAS não participou porque no curso do processo vinha se declarando “impedido/suspeito”.
PEDIDO DE CUMPRIMENTO DA SENTENÇA
10 - Em petição assinada pela procuradora de Justiça TERESINHA DE JESUS MARQUES, datada de setembro de 2023, o MP-PI pede o imediato cumprimento do acórdão, “com a certificação imediata do trânsito em julgado da SENTENÇA CONDENATÓRIA e remessa dos autos à Comarca de origem, para o CUMPRIMENTO, em seus exatos termos”.
11 - O desembargador FERNANDO LOPES E SILVA NETO indefere o pedido, “tendo em vista sua inadmissibilidade no presente processo recursal, nestes autos, porém, podendo efetivar o cumprimento da sentença em autos apartados e no juízo competente”.
Isso porque, “para que seja certificado o trânsito em julgado do acórdão dos aludidos Embargos de Declaração [do Ministério Público Estadual], necessário se faz o decurso do seu prazo recursal. Importa ressaltar que o procedimento a ser adotado, nestes autos, é o mesmo dos demais recursos, devendo seguir a tramitação legal, qual seja: Publicação do acórdão: Publicação já efetivada no DJE - Nº 9671 - Disponibilização: Quarta-feira, 13 de Setembro de 2023 - Publicação: Quinta-feira, 14 de Setembro de 2023 (Id. 13214445) (...)”.
12 - O prefeito de Campo Maior Joãozinho Félix contrata o ex-presidente da OAB/PI advogado Willian Guimarães, que ingressou com novos embargos de declaração com pedido de efeitos infringentes (visando reformar o entendimento), em face do acórdão anterior, alegando omissão e ausência de defesa técnica. O MP-PI se manifesta e o advogado volta a pontuar, tratando sobre a pertinência dos novos embargos.
13 - Com a pauta de julgamento já em vista, na qual constava o processo em questão, o advogado Willian Guimarães volta a peticionar, dessa vez pedindo a suspensão do julgamento. O advogado estava a informar a existência de um "fato novo". “O Embargante (João Félix) iniciou tratativas junto ao Ministério Público Superior para a celebração de um Acordo de Não Persecução Cível (ANPC)”.
Isso num processo que já havia sentença condenatória e no qual o político já havia perdido o prazo para recorrer da sentença.
14 - Em face disse o caso é retirado da pauta de julgamento da Sessão Ordinária do Plenário Virtual que seria realizada no período de 03.06.2024 a 10.06.2024, na TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO, presidida pelo desembargador RICARDO GENTIL EULÁLIO DANTAS. Houve um pedido de destaque do desembargador RICARDO GENTIL EULÁLIO DANTAS.
15 - Após isso o relator desembargador FERNANDO LOPES E SILVA NETO envia os autos ao Ministério Público Superior para manifestação.
16 - A procuradora de Justiça TERESINHA DE JESUS MARQUES não concorda com o Acordo de Não Persecução Cível (ANPC), sendo que para ele existir o MP tem que propor, e justifica: intempestividade do recurso de apelação além de que “o firme propósito do Embargante em protelar o cumprimento da decisão final do feito, a todo custo”. MAIS, diz a procuradora: “Após o decurso de quase 10 (DEZ) anos do trâmite da Ação de Improbidade Administrativa, entende-se por inconveniente e inoportuno o pedido do Embargante, em face das peculiaridades do caso e por atentar contra o interesse público, sendo certo que, o acordo não trará qualquer vantagem ao erário público. A fase de ACORDO foi há muito ultrapassada, constituindo a continuidade do processo maior efetividade às sanções aplicadas, já que solução negociada a esta altura, não viabilizará celeridade, ou economia capaz de satisfazer a pretensão do embargante”.
17 - Em decisão monocrática, após a manifestação do MP-PI, o desembargador relator FERNANDO LOPES E SILVA NETO, declara-se “suspeito, por motivo de foro íntimo superveniente, para atuar no presente processo”.
18 - A procuradora de Justiça TERESINHA DE JESUS MARQUES volta a requerer “que seja emitida a certidão do trânsito em julgado da sentença condenatória” e a “imediata execução da sentença”.
19 - A desembargadora LUCICLEIDE PEREIRA BELO é designada a nova relatora. O seu primeiro ato decisório, datado de 26 de setembro de 2024, traz: “Preenchidos os requisitos legais, RECEBO os embargos de declaração no efeito devolutivo por força do artigo 1.026, caput, do CPC, e DETERMINO a sua inclusão em pauta para julgamento em sessão colegiada”.
20 - O advogado Willian Guimarães dá entrada em nova petição argumentando que seja retirado de pauta o processo para que ele possa se manifestar sobre manifestação anterior do MP-PI, porque, na visão do advogado, “foram feitos novos pedidos relevantes, notadamente o pleito pela inadmissão dos Embargos de Declaração sob a alegação de serem meramente protelatórios e a solicitação de certificação imediata do trânsito em julgado da sentença condenatória e consequente remessa dos autos à origem para execução da sentença”.
21 - O processo é incluído na Sessão do Plenário Virtual - 3ª Câmara de Direito Público - 18/10/2024 a 25/10/2024.
22 - Willian Guimarães peticiona novamente pedindo a retirada de pauta do recurso para exercer o direito de manifestação antes do julgamento previsto.
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