Entrevista com Eugênia Villa -

Caso Camilla Abreu: domínio patriarcal e estereótipo de gênero nos feminicídios

O brutal assassinato da estudante de Direito Camilla Abreu, aos 21 anos, chocou o Piauí e despertou diversas discussões. Sobre machismo, feminicídio, relacionamentos abusivos, entre outros tantos, que refletem a necessidade de medidas eficazes que impeçam que mais famílias sejam destroçadas pela violência. É justamente nesse sentido que a delegada Eugênia Villa, diretora de Gestão Interna da Secretaria de Segurança Pública, comenta a premência de uma legislação condizente com os dias atuais.

Camilla namorava com o policial Allisson Watson há 10 meses e na última quinta-feira (26/10) desapareceu após sair com ele. Após dias de investigação, a Delegacia de Homicídios descobriu que o militar a matou com um tiro no rosto dentro do seu carro, jogou o corpo em um matagal e tentou limpar os indícios do crime, inclusive com a tentativa de se desfazer do veículo. Preso, ele confessou o crime, mas alegou que foi um disparo acidental e que ela causou uma discussão que resultou na sua morte. A estudante era constantemente agredida e alvo dos ciúmes do homem que a pressionou num relacionamento nocivo.

A delegada Eugênia Villa, em entrevista ao 180, disse que está se matando porque há uma estrutura marcada por um domínio patriarcal que vem de muito tempo, ligado ao estereótipo de gênero. Confira:

MORTES LIGADAS AO ESTEREÓTIPO DE GÊNERO
A vida da Camilla foi extirpada, com 21 anos, com todo o potencial que ela poderia viver. Como vejo isso, estamos demonstrando uma violência uma violência estrutural, porque às vezes você olha, o código penal e ele é de 1940 quantos anos já se passaram?! 77 anos! E será possível que iremos persistir no ‘ciúmes’?! Não existe homicídio por ciúme. O código penal não prevê isso. Não existe homicídio por traição, em defesa da honra, o código penal não prevê isso. Tudo isso foi criação, e ai como nos não tínhamos essa tipificação, condição do sexo feminino, demonstrando equivocadamente a subordinação da mulher, o domínio, masculino nos agora somos temos que estudar uma nova norma. Não está se matando por ciúmes, o motivo não é fútil. Está se matando porque nos estamos em uma estrutura marcada por um domínio patriarcal que vem de muito tempo, ligado ao estereótipo de gênero, que é ligado à modelagem dos corpos humanos.

Delegada Eugênia Villa
Delegada Eugênia Villa    Foto: Maelson Ventura

O SER HUMANO COMO ELE É
É preciso destruir essa estrutura e mostrar que podemos construir de outra forma, com as mesmas peças – patriarcal e gênero – tudo isso se aplica ao caso da Camilla. Construir também esse crime, a partir dessas conferências estruturais, se torna desafiador. A materialidade do crime o delegado Baretta já fechou essa questão. Foi ele e foi provado que foi ele quem matou. Agora nos vamos mais para o lado científico e teórico que é demonstrar que existe essa estrutura do patriarcado e do gênero e que faz com que a gente possa montar o caso da Camilla a partir dessas inferências teóricas. Agora, é preciso estudar o que é isso, o que faz uma mulher ela se sinta coagida, sinta-se no momento que ela não tenha condição de jeito nenhum. Então é preciso ver isso, porque o código penal, a dogmática política, ela tende a 'cartesianisar' tudo. Devemos colocar o ser humano, é ele e ela. Os protagonistas. A parte material já foi comprovada como disse, agora resta saber a motivação.

RELAÇÃO DA VIOLÊNCIA SEXUAL
Para evitar esse tipo de crime, a gente estuda isso diariamente, e agora estamos estudando as tentativas, nas quais as mulheres estão sobrevivendo, de fato. Aquela menina que sobreviveu a três tiros, por exemplo, e depois o homem se matou. Nós fomos ouvi-la e fizemos isso sob ponto de estudo e nós descobrimos que ele fez relação sexual com ela, sem o consentimento dela. Mas com medo, ela acabou tendo o contato mais íntimo com ele e depois se vestiram, ele tentou matar ela e disse ‘acabou, se você não é minha então não será de mais ninguém’. Isso nos não conseguimos ouvir da Camilla, porque ela se foi. Então precisamos desvendar isso ai se houve ou não o estupro. Não é porque a Camilla é namorada dele que ela era obrigada ter relação sexual com o parceiro. Não é porque sou casada com um homem que tenho que ter esse ‘dever conjugal’ não e outra coisa, você não pode também vulnerabilizar as meninas.

Camilla Abreu: mais uma vítima da violência contra a mulher
Camilla Abreu: mais uma vítima da violência contra a mulher 

CONTROLE DO CORPO DA MULHER
No caso da Camila, o que pode ser comprovado ai é a tortura, crime inafiançável e imprescritível – comparado ao hediondo, estupro - crime inafiançável e hediondo, feminicídio – hediondo e inafiançável. Veja ai  a gravidade da atitude dessa rapaz, sem falar na ocultação do cadáver que foi no lixo. Isso para mim foi simbólico, porque como é que você ama uma pessoa, tem uma relação de afetividade e joga aquela pessoa, que diz amar que matou – por suposto ciúmes – no lixo?! Isso quer dizer o que?! Que é um objeto descartável é dizer que ela não serve mais e isso é desumano, degradante e isso, para mim, seria um dos pontos chaves para fechar toda essa questão da dominação do corpo, controle do corpo da mulher.

RELACIONAMENTOS ABUSIVOS E A AÇÃO
É necessário ser aberto, tem que falar e a família percebe, mas A própria família ela não chega até a polícia. Então vamos lá, qual é o ideal: Procurar auxílio técnico e para isso se tem a Delegacia da Mulher, e aqui nós temos quatro. Se não quiser, vem até aqui no gabinete do Fábio Abreu, que recebemos várias mulheres, e baixar o aplicativo Salve Maria, criamos essa ferramenta na expectativa de salvar pessoas, então não liga para a amiga, aperta logo o botão do pânico, os familiares que não queiram se envolver aperta o ‘botão’ da denúncia e fala que aquela menina está sofrendo violência, que nós vamos investigar, se estes crimes tiverem potenciais lesivos graves nos vamos agir.

Os agressores agora devem sentir é medo, sentir-se coibidos. A mulher não pode se sentir acuada ela tem que ter a liberdade e vamos encorajar as mulheres, e a tolerância é zero! Na primeira ameaça tem que ir até a polícia e não tenha medo, não fique nesse relacionamento abusivo porque ele pode te matar e nos estamos sendo mortas por nossos namorados, companheiros e maridos

COMPORTAMENTO ASSASSINO
Penso que uma pessoa armada, dentro de um carro, é inoportuno ai vai ver como é a postura dele: um homem forte, treinado, policial e manuseia arma. E quem é ela: uma menina de 21 anos. Será que tinha condição de reagir mesmo? Acho uma possibilidade muito remota essa arma ter disparado por acidente. E mais, o comportamento dele após o disparo é que não foi condizente com o que ele alega, porque se eu digo que matei uma pessoa que amo, o que vou fazer, vou ajudar e é assim que a polícia é treinado age, mesmo sem ter relação afetiva imagina com uma pessoa que eu digo gostar.

*Entrevista feira por Maelson Ventura

 

Instagram

Comentários

Trabalhe Conosco