Música erudita -

Artista escocês propõe 24 horas sem música no Brasil

Ele já chegou ao primeiro lugar das paradas britânicas e escreveu um livro explicando para os outros como chegar lá. Também deixou uma ovelha morta na porta da festa de encerramento do Brit Awards e despejou um carregamento de CDs no mar por “culpa” da banda Abba. Mas o feito - ou a lenda? - pelo qual o escocês Bill Drummond é provavelmente mais conhecido foi por ter queimado, literalmente, um milhão de libras esterlinas.

Agora, ele vem a São Paulo com uma difícil missão: tentar fazer com que os brasileiros passem 24 horas sem ouvir música. Essa é a proposta do Dia Sem Música, evento que Drummond promove anualmente em diversas partes do mundo, sempre no dia 21 de novembro.

O artista e produtor musical - responsável entre outras coisas pelo lançamento da banda Echo and the Bunnymen - diz que o objetivo do evento é fazer as pessoas refletirem sobre a sua "relação com a música, sobre como ela muda e evolui, e para onde ela deveria estar indo".

Em sua passagem pela cidade, nesta sexta (21), Drummond deve participar de debates e palestras - horários e locais ainda não foram divulgados, o produtor ainda quer “sentir o clima’ do país -, além de promover uma “barreira de voluntários” na Avenida Paulista, que tentará fazer com que os transeuntes desliguem seus tocadores de MP3.

G1 - Você foi executivo de A&R (artistas e repertório) para a gravadora WEA, e se demitiu no seu aniversário de 33 anos. Valeu a pena? Você voltaria a trabalhar no coração da indústria musical?

Bill Drummond - Eu só me tornei um executivo porque estava devendo 12 mil libras para o meu banco, e eu precisava de algum dinheiro rápido, antes de ir à falência. Eu me mantive naquele emprego por três anos. Durante esse tempo, não fiz nada digno de nota. Aprendi que eu sou facilmente corruptível. Mas também aprendi como a indústria musical funciona. Não tenho a mínima vontade de voltar a trabalhar com aquilo. Não conseguiria, mesmo que quisesse - tudo que aprendi já está ultrapassado.

G1 - Sua antiga banda, The Timelords, chegou ao topo das paradas em 1988. A "receita" de sucesso que você descreve no livro "The manual" ainda seria aplicável hoje em dia?

Drummond - Tudo mudou atualmente. Para começar, é possível gravar quase tudo em casa. E obviamente nós temos a internet, que mudou todo o resto. Dito isso, o livro já está fora de catálogo há dez anos, já ganhou seu status de cult, e não passa um ano sem que alguma banda dê uma entrevista dizendo que o livro é uma influência no que eles fazem. Para mim, o que é importante no "The manual" é a mensagem implícita, que dizia: "se você quiser fazer algo, não tem que esperar que alguém te dê permissão, vá começar isso logo".

G1 - Sinceramente, vocês REALMENTE queimaram um milhão de libras?

Drummond - Creio que queimamos, sim. O problema é que todo mundo quer saber o porquê, e nós sentimos que devíamos, se não a eles, pelo menos a nós mesmos, uma boa razão para ter feito aquilo. Mas razão nenhuma pareceu boa o suficiente. Então, em vez de tentarmos responder à questão, resolvemos não tocar mais no assunto. A outra coisa que nós percebemos é que parece existir um bom número de pessoas que não acredita que a gente queimou o dinheiro e que não vai mudar de idéia de maneira alguma. E tem todos os outros, que querem acreditar no feito pelas suas próprias razões. O que a gente fez de fato não tem relevância nenhuma num debate desses.

G1 - Ultimamente, você tem escrito mais livros que gravado música. Você ainda se vê no papel de músico?

Drummond - Eu nunca me vi como músico. Eu sou alguém que toca um pouco de violão e sei alguns acordes no teclado, mas eu não sou um músico de verdade. Eu estudei na escola de artes dos 17 aos 20 anos. Aqueles anos parecem ter formado minha atitude a respeito de tudo que eu fiz a partir de então. Seja pintando telas, empresariando bandas, projetando palcos, escrevendo livros, gravando discos ou apenas passeando, parece que eu faço tudo de certa forma baseado naqueles anos na escola de artes. Assim como quando escrevo, não penso em mim como escritor, mas como alguém que esteve na escola de artes e agora escreve livros.

G1 - No seu novo livro, "17", você diz que "a música gravada está esgotada". O que quer dizer com isso?

Drummond - Para mim, parece apenas que a música gravada é um tipo de música que pertence ao século 20. Toda forma de arte tem um tempo de vida que só é contado enquanto ela for crucial e relevante para a cultura de onde ela está surgindo. Eu sinto que chegamos a um momento em que a música gravada está perdendo a sua posição de preponderância na cultura global. Algumas formas de arte, como os filmes mudos, morrem de uma hora para outra, e outras formas levam anos para acabar. Muitas vezes, formas de arte que já morreram continuam sendo produzidas pelas pessoas como hobby, como muita gente faz com aquarelas. Meu palpite é de que as pessoas continuarão a gravar música, mas como um hobby.

G1 - O coral The 17, criado por você, representa a nova maneira como experimentaremos, produziremos e ouviremos novos tipos de música, ou é apenas uma maneira de experimentar em um território musical inexplorado?

Drummond - O The 17 é minha maneira de me reconectar com a música. Não estou dizendo que o The 17 é o futuro de coisa alguma - exceto para eu mesmo. Dito isso, eu acredito que devem existir pessoas com 19, 20 anos por aí que querem fazer um tipo de música que não possa ser baixada na internet e colocada dentro de um iPod. Eles devem estar querendo fazer uma música mais importante que isso, mais vital.

G1 - O que fez você propor a realização do quarto ano do Dia Sem Música no Brasil?

Drummond - A cada ano, eu foquei o Dia Sem Música em um lugar diferente. Em 2007, foi a vez da Escócia. Isso só aconteceu porque um produtor da BBC Radio Escócia (a estação de rádio nacional) me contatou e queria fazer com que a rádio ficasse todas as 24 horas do Dia Sem Música sem tocar uma única nota musical. Foi um grande sucesso, e criou uma série de debates na mídia escocesa. Um tempo depois, ainda em 2007, um brasileiro de São Paulo entrou em contato comigo. Ele queria saber se poderia fazer algo relacionado ao Dia Sem Música no Brasil. Logo que eu li o seu e-mail, pense: "Não seria ótimo fazer o Dia Sem Música de 2008 focando o Brasil?". Não sei se é a verdade, mas o resto do mundo tem a impressão de que no Brasil há música 24 horas por dia, durante os 365 dias do ano, de que os brasileiros fazem tudo usando música com pano de fundo. Pareceu-me o lugar perfeito. Agora eu sei que, na verdade, não vai haver uma nota musical a menos tocada no dia 21 de novembro no Brasil, mas o que é mais importante para mim é que haja um debate, que as pessoas conversem sobre a nossa relação com a música, sobre como ela muda e evolui, e para onde ela deveria estar indo. É claro que isso também é uma bela desculpa para eu viajar para o Brasil.

G1 - Como você explicaria a idéia do Dia Sem Música para uma pessoa comum? Como alguém que ama música pode ficar um dia inteiro sem ouvi-la?

Drummond - Tente. São apenas 24 horas, e depois nós podemos conversar sobre isso. As pessoas também podem visitar nosso site oficial e ver como as outras pessoas se relacionam com a idéia. Parece que existem tantas pessoas considerando a idéia de um Dia Sem Música quanto existem pessoas que acham que tudo isso é uma perda estúpida de tempo.

Fonte: G1

Instagram

Comentários

Trabalhe Conosco