Há uma versão de pele negra -

Liga da Justiça Negra? Entenda a diferença de representação e representatividade

O dia é 20 de novembro e você está num quiz com amigos e amigas sobre a identidade civil dos super-heróis. As dicas são: a pessoa por trás do super-herói que veio de Krypton para a Terra, por trás do defensor de Gothan que veste roupa de morcego, por trás daquela que nasceu numa ilha só com mulheres e por trás do escolhido para defender a Terra com um anel poderoso. Se suas respostas foram Clark Kent, Bruce Wayne, Diana Prince e Hall Jordan, você fez as escolhas erradas. As informações são do Jovem Nerd.

Apesar dessas serem as versões mais conhecidas dos integrantes da Liga da Justiça, há uma versão de pele negra para cada um deles, que, infelizmente, carrega origens pouco surpreendentes e quase nenhum aprofundamento racial.

Vou começar com o mais legal de todos; o John Stewart. O anel que define o guardião Lanterna Verde pode mudar de dono por vários motivos, por isso o contexto desse super-herói traz em si uma versatilidade bem interessante. Hall Jordan foi o primeiro e talvez o mais amado pelos fãs dos quadrinhos, porém, no Brasil, o desenho da Liga da Justiça popularizou John Stewart como o primeiro Lanterna Verde na mente de muitos brasileiros.

Ex-fuzileiro e arquiteto, John se sagrou como o Lanterna que tem a maior habilidade em formar construtos com o anel, pois entende da engenharia que há por trás de suas criações. Outra característica marcante é o fato de ele não usar máscara. O personagem disse que não tinha nada para esconder, matou a responsabilidade no peito e empunhou o anel com total tranquilidade. Jonh é apresentado como alguém objetivo, estratégico e companheiro. No desenho, por exemplo, é possível ver essas características através do seu affair com a Mulher Gavião.

Conhece Calvin Ellis? É… esse é o Superman negro da Terra 23. Apesar de o personagem ser um tanto genérico, a sua inspiração é bacana. No ano de 2008, nas primárias das eleições dos EUA, os apoiadores da Hillary Clinton espalharam o boato de que Obama não era cidadão norte americano, logo não poderia ser o representante dos democratas. Em um discurso, Obama afirmou que realmente não era estadunidense, era kryptoniano e havia sido mandado para salvar a Terra.

Inspirado por essa fala, Grant Morisson criou Calvin Ellis, presidente dos EUA na Terra 23 e Superman nas horas vagas. Seu nome ficou ainda mais conhecido pela especulação de que Michael B. Jordan seria o novo Homem de Aço nos cinemas. Porém, o ator já falou que foram apenas boatos e preferiu deixar no ar uma possível vontade em viver o super-herói. Calvin Ellis é também kryptoniano, também se chama Jor-El e também foi criado por uma família terráquea.

Sobre Batman, todos os rumores e notícias nos levam a crer que o manto do morcego terá como guardião um homem negro, Luke Fox, filho de Lucius Fox, normalmente representado como o armeiro de Batman.

Johgn Ridley, próximo roteirista dos quadrinhos do Morcego, falou sobre essa possibilidade no DC Fandome: “Acho que é bem seguro apostar que, comigo escrevendo Batman, há uma chance de uns 47% de ele ser negro.” A família Fox está presente no universo Batman: Lucius é o braço direito de Bruce dentro da Wayne Enterprise; Tamara, filha de Lucius, tem uma participação importante investigando o paradeiro de Tim Drake em Red Robin; Tiffany, outra filha do personagem, teve sua maior relevância em um universo alternativo dos Novos 52, chegando até a vestir o manto de Batgirl. Luke Fox foi o segundo Batwing, após o policial congolês David Zavimbe deixar o manto. Agora Luke evoluiu no quadro de “funcionários do morcego” e, muito em breve, pode ser o Batman. Não há muito o que falar, só sentar e esperar, mas sem expectativas, afinal, a expectativa é a mãe da decepção.

Temos também a amazona Núbia, a irmã negra da Mulher-Maravilha. As duas foram criadas juntas, a partir do barro e do sopro divino dos deuses. Diana foi criada com uma argila mais clara e Núbia com uma mais escura, por isso o tom de pele diferente. A primeira aparição da personagem foi em Wonder Woman (vol. 1, # 204), em janeiro de 1973. Núbia foi raptada por Ares e teve a memória apagada. Foi criada como uma guerreira letal, capaz de lutar em pé de igualdade contra Diana. Ao ter seu controle mental quebrado, a personagem passou para o lado “do bem” e protagonizou algumas histórias com suas próprias aventuras. Apesar da pele negra, seus criadores, Robert Kanigher e Don Heck, dois homens brancos, não fizeram nenhum tipo de associação racial na origem da personagem, inicialmente, trazendo-a até com um ar antagônico. A personagem voltará a ser protagonista, como a Mulher-Maravilha, na publicação Future State: Immortal Wonder Woman (saiba mais aqui), dessa vez sendo escrita e ilustrada por mulheres negras, L.L. McKinney e Alitha Martinez, respectivamente.

Representação e representatividade

Então, a essa altura, teríamos uma espécie de “Liga da Justiça Negra”. Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde seriam negros, faltando apenas Flash e Aquaman (e Caçador de Marte, que não conta.)

E talvez você esteja pensando “como é ótimo ver a representatividade invadindo as histórias em quadrinhos.” Mas não é bem assim. É importante diferenciar representação de representatividade. Representação é estar, constar, aparecer, enquanto representatividade, segundo o dicionário, é uma amostra constituída de modo a corresponder à população no seio da qual ela é escolhida. Ou seja, não é só mostrar, é também contextualizar, fazer com que se entenda o meio que aquele personagem está representando e como isso influencia suas ações e reações.

De todos esses personagens, só o John Stewart representa bem a comunidade negra. Sem tencionar discursos, a sua figura imponente e intelectual, coloca negros em um lugar que é negado quando se é pensado no estereótipo de narrativas de ação. Ao ser reconhecido como o Lanterna Verde mais engenhoso, se afasta a ideia de que negros são só brutamontes, escolhidos como “tanques” de uma possível equipe na hora de estipular arquétipos.

A adequação de personagens brancos para o tom de pele negro precisa fazer sentido para não ficar parecendo uma estratégia de marketing ou uma simples ideia que pareça legal. Núbia e Calvin Ellis não tem qualquer tipo de profundidade em uma origem afro que pudesse dar corpo as suas narrativas. Suas origens são meramente copiadas de seus clones brancos e adaptadas para uma história que pudesse servir como justificativa para a representatividade, mas não serve.

Cada vez que um personagem branco é tingido de preto, um personagem preto perde a oportunidade de ganhar a luz do dia. Veja a Vixen, por exemplo: a primeira heroína negra da DC Comics, que apareceu em 1981, tem a habilidade de acessar todos os poderes do reino animal, sempre remetendo à savana africana e suas peculiaridades. Se algum executivo colocasse a ideia de fazer um reboot da personagem Núbia, a Mulher-Maravilha em sua versão negra, ou uma HQ solo da Vixen, quem você acha que ganharia essa queda de braço?

A revolução Pantera Negra nunca teria acontecido se o foco fosse transformar personagem brancos em negros. Ser negro sucinta ver a vida a partir de um ponto de vista bem peculiar e essas peculiaridades precisam estar presentes numa narrativa super heroica, assim como é visto no reino de Wakanda, na ambientação do Raio Negro, nas narrativas da Milestone, selo de quadrinhos com foco em minorias sociais, ou nos poderes de Luke Cage. “O mundo está pronto para um homem negro à prova de balas,” disse Cheo Coker, criador da série do personagem Luke Cage para a Netflix.

Uma maior diversidade na cultura pop é bom pra todo mundo. Vai dizer aí que seu almoço ao lado de Super Choque não eram incríveis? Entre o Superman negro e o Pantera Negra, qual representa mais questões raciais? Vamos chacoalhar esse cenário da cultura pop para que mais materiais com personagens negros e negras com profundidade possam existir e estampar capas de quadrinhos, cartazes de séries, pôsteres de filmes. “Está na hora de mostrar ao mundo quem nós somos.” T’Challa.


Anderson Shon é escritor, professor, poeta, nerd e super-herói nas horas vagas. Autor dos livros Um Poeta Crônico e Outro Poeta Crônico. Escreve matérias para o jornal Voz da Favela, ministra um curso de escrita criativa: A Liga dxs Lanternas, expôs suas opiniões na coluna Black Nerd do Correio Nagô e tem um site de contos.

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