Aliada política -

Ministra ligada a milicianos ajuda PT em locais distantes da esquerda, diz pesquisadora

A ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), aliada política de milicianos do Rio de Janeiro, não tem um comportamento que desvie do padrão da Baixada Fluminense, sua base eleitoral.

Foto: Pedro Ladeira-29.dez.22/FolhapressA ministra do Turismo, Daniela Carneiro, com o presidente Lula durante anúncio de nomes do primeiro escalão do governo
A ministra do Turismo, Daniela Carneiro, com o presidente Lula durante anúncio de nomes do primeiro escalão do governo. 

A avaliação é da cientista política Mayra Aguiar, coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Polícia Comparada da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), que estuda as relações políticas da região.

"É muito difícil ter um prefeito de uma cidade da Baixada Fluminense que não tenha relações com a milícia e com outras, entre aspas, lideranças daquele território. O prefeito não é alguém que pode ter uma atuação puramente denuncista. Precisa ter uma atuação cotidiana naquele território", afirma Mayra.

Daniela fez campanha ao lado de ao menos três acusados de liderar milícias em Belford Roxo, além de parentes de outro. Eles também foram nomeados em cargos da prefeitura da cidade, comandada por Wagner Carneiro, o Waguinho (União Brasil).

Aguiar afirma que a nomeação e a manutenção de Daniela no ministério do governo Lula se devem ao interesse do PT de se aproximar de territórios ainda distantes do campo de esquerda.

"O Waguinho não deu propriamente muito voto para o Lula. [Um ministério] não é uma retribuição na mesma medida, se a gente olhar para o passado. Mas, se a gente olhar para o futuro, tem um governo nacional que precisa, na eleição daqui a dois anos, amparar o seu governo em apoios políticos locais."

PERGUNTA - Qual é o cenário político da Baixada Fluminense envolvendo as milícias ou outros grupos criminosos? 

MAYRA AGUIAR - Na Baixada Fluminense, assim como em outros territórios do Rio de Janeiro, o crime organizado tem um papel preponderante, não só de maneira episódica de violência, mas também de maneira cotidiana.

É muito difícil ter um prefeito de uma cidade da Baixada Fluminense que não tenha relações com a milícia e com outras, entre aspas, lideranças daquele território. O prefeito não é alguém que pode ter uma atuação puramente denuncista. Precisa ter uma atuação cotidiana naquele território. Então ele precisa encontrar formas de construir relações, que não seja uma cruzada solitária contra determinados grupos.

P. - Ele precisa disso para administrar a cidade. Mas não é possível fugir de alianças políticas eleitorais com esses grupos? 

MA - Nada é impossível. Mas, na nossa pesquisa, não há uma atuação muito desviante de um certo padrão de cultivar uma política local. É uma política local não orientada de maneira ideológica.

Não quer dizer que essas pessoas não tenham suas ideologias, geralmente mais conservadoras. Mas a performance política delas não tem essa dimensão de opinião pública tão determinante como tem, por exemplo, nos nossos casos desviantes, como Lindbergh [Farias], [ex-prefeito] em Nova Iguaçu.
P. - Isso não acaba perpetuando o cenário de fortalecimento de lideranças políticas ligadas ao crime? 
MA - Sim. Não estou naturalizando isso dizendo que esse é o quadro perfeito, o jeito certo de fazer política. Estou dizendo que eles não são casos desviantes.
P. - Os políticos desses locais não devem ser cobrados para tentar mudar essa dinâmica? 
MA - Sim, claro. Devem ser cobrados e responsabilizados. São dois planos discursivos. Uma coisa é como as coisas são, e outra como elas devem ser.

Quando digo que esse tipo de política local inclui uma relação não tão desejosa com, entre aspas, lideranças que cometem ilegalidades, isso não é bom nem desejável. Isso é como as coisas são.

O problema é que o denuncismo não deve se sobrepor à capacidade descritiva. Denunciar que a Daniela tem contato com a milícia não pode bloquear nossa visão de que prefeitos da Baixada Fluminense têm relações com a milícia. A única diferença da Daniela e Waguinho de outros prefeitos é a proximidade atual com um partido de esquerda.

P. - No caso da ministra, qual é a responsabilidade política dela? 
MA - Minha pesquisa tenta compreender o que tem nessa dinâmica política local que, de alguma maneira, dificulta a esquerda de construir essas relações.
Uma das coisas que sobressai é uma certa ênfase nos políticos de esquerda em concentrar as suas energias numa discussão ideológica de opinião pública, enquanto políticos mais à direita ou de centro-direita, ou do centrão, se comprometem em fazer esse jogo da política local.

Bombardear a única indicada no ministério que vem do Rio de Janeiro e que vem desse lugar de fazer política, que entremeia no território, é simbólico.

O Waguinho não deu propriamente muito voto para o Lula. [Um ministério] não é uma retribuição na mesma medida se a gente olhar para o passado. Mas se a gente olhar para o futuro, a gente tem um governo nacional que precisa, na eleição daqui a dois anos, amparar o seu governo em apoios políticos locais.

Alinhavar o apoio de um prefeito num território que não tem tradição de proximidade com o campo da centro-esquerda é importante para o PT. Essa é a forma como eu entendo a entrega do ministério para a Daniela Carneiro. Não tanto pelos 6.000 votos que o Waguinho deu para ele, mas sim pela construção de próximos palanques.

P. - O que significa levar os vínculos que ela carrega, entre eles grupos criminosos, para o governo federal? 
MA - Impacto prático nenhum.
P. - Esses grupos não podem se sentir fortalecidos pelo fato de uma aliada estar no ministério? 
MA - Um dos acusados de chefiar uma milícia que a apoiou falou do orgulho de vê-la no cargo. Acho um salto muito longo para um tipo de poderio que tem um retorno muito imediato. É uma renda que vem do controle da violência, num território local. Esse negócio funciona muito bem para eles precisarem desses tiros tão longínquos.

Vejo mais é uma certa dificuldade da opinião pública, de maneira geral, de sair de um espectro de político mais elitista, que circula nesse ambiente de opinião pública, e lidar com outro tipo de político que está mais no campo das classes populares.

Quando você mantém um discurso principiológico voltado à opinião pública, você exclui territórios cuja política não se determina a partir desse tipo de conteúdo. Com isso você exclui aqueles cidadãos que não se veem representados na política nacional.

P. - Dessa forma, não se está colocando no mesmo nível o que se chama de clientelismo e uma situação de crime, de controle de território? 
MA - Aquilo que é ilegal precisa ser combatido, precisa ser condenado, até para gente não colocar tudo no mesmo patamar. Uma política local de atendimento direto à população não significa a mesma coisa do que você controlar com a violência um território. O que a milícia faz não é política. Ela usa da violência para extorquir população.

O que estou dizendo é simplesmente que a relação da Daniela com o crime organizado provavelmente não é maior do que se a gente for pegar outras relações de políticos do

Nordeste com um tipo de extrativismo, de agronegócio misturado com criminalidade e violência.

No Rio de Janeiro, como somos uma vitrine do Brasil, essas relações são muito expostas.
Meu ponto é que a Daniela não é uma exceção. Mas ela está parecendo muito por quê?

Porque o que é uma exceção é a relação do PT, e de qualquer tipo de partido de esquerda, com esses territórios e, portanto, com essa população.

P. - É uma aliança adequada? 
MA - Não pode dar um sinal errado nessas regiões de que aliados dos grupos criminosos estão com força? Esse tipo de condução política principiológica tem dificuldade de te aproximar do cidadão, vai ficar no plano da opinião pública.

Acho importante diferenciar a indicação de uma ministra que teve como aliada política um miliciano de um presidente que fez discursos em plenário dizendo que a milícia é uma coisa positiva. É preciso diferenciar esse salto.

P. - Mas, em razão desse posicionamento do ex-presidente, devemos normalizar esses elos? 
MA - Se ela cometer crime, tem que ser indiciada, tem que ser punida. Mas a condenação prévia de alguém que até então é inocente leva um tipo de caça às bruxas que favorece a ascensão de pessoas que não tenham trajetórias políticas. É essa coisa da nova política que resultou muito mal. No Rio de Janeiro, por exemplo, resultou no [Wilson] Witzel.
P. - Ela tem tentado se desvincular de nomeações de milicianos feitas por Waguinho na prefeitura. É possível fazer essa separação? 
MA - É claro que não.

RAIO-X 
Mayra Aguiar É coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Polícia Comparada da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Mestre e doutora em ciência política pelo Iesp (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) da Uerj, é professora de ciência política da UFRJ e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRRJ.

Fonte: FOLHAPRESS

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