Ainda nos padrões antigos -

Mulheres ainda sofrem cobranças (e se cobram) para casar e ter filhos

Embora os papéis femininos tenham passado por transformações relevantes nas últimas décadas, as mulheres que não se casam e/ou não têm filhos continuam a ser cobradas por isso, como se essas fossem funções obrigatórias para todas. E, dessa forma, quem não as assume, por opção ou outros fatores, parece estar renegando a própria natureza. Por que esse tipo de cobrança ainda acontece?

Uma das razões é que há um padrão de comportamento feminino desejado que, mesmo ultrapassado, ainda é fortemente arraigado. "A visão cultural sobre o papel das mulheres na família e na sociedade ainda é o do passado", afirma Jacira Vieira de Melo, militante feminista desde os anos 1970, especialista em comunicação social e política na perspectiva de gênero e raça e diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, de São Paulo (SP).

Na opinião da psicóloga Lígia Baruch Figueiredo, mestre e doutoranda em Psicologia pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), onde também é pesquisadora no Núcleo de Família e Comunidade, argumentos pouco aprofundados e repetidos automaticamente falam que a "natureza da mulher é procriar".

"Segundo esses argumentos, uma mulher que não casa e não tem filhos foge à sua natureza. Se não pode ter filhos, é uma coitada; caso não queira, é fria", explica a especialista. Porém, a cobrança social também é internalizada, e a pessoa acaba cobrando de si mesma atender a expectativas que, muitas vezes, não correspondem a seus desejos.

A sociedade ainda espera que a mulher ocupe as funções tradicionais. "Mesmo que trabalhe fora, deve colocar em primeiro lugar o cuidado com a família. Ela sempre terá de se sacrificar ou a seu trabalho em prol do lar", diz Lígia.

Para Mary Del Priore, docente na pós-graduação em História da Universidade Salgado de Oliveira, no Rio de Janeiro (RJ), como nossa base cultural vem dos portugueses, prezamos valores da igreja católica. "A mensagem dessa herança é clara: a família deve ser o projeto de vida mais importante", diz ela, que é autora de 37 livros, entre os quais "História das Mulheres no Brasil" e "História do Amor no Brasil", ambos pela Editora Contexto.

Mary também diz que a imprensa e a publicidade dos séculos 19 e 20 moldou estereótipos femininos que até hoje permeiam nossa cultura. "Só que em vez de valorizar a mulher 'exclusivamente do lar', a mídia atual destaca aquela que consegue dar conta de vários papéis. Saiu de cena, por exemplo, a mãe doadora, que se sacrificava pela família, e entrou nos holofotes a mãe ativa, que assume diversas funções com um sorriso no rosto", declara.

A antropóloga Mirian Goldenberg, professora do curso de pós-graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), costuma afirmar em palestras e artigos que a brasileira enxerga o marido como um bem e que se sente mais valorizada ao mostrar socialmente que conquistou o papel de casada.

"Já ouvi muitas afirmarem que preferem casar e se separar a nunca se casarem e, assim, carregarem o rótulo de fracassada. O estado civil é uma etiqueta de valorização. Divorciada, na opinião de algumas, é um termo mais chique do que solteira", conta.

Há mulheres, mesmo sendo independentes, que ainda acreditam que só podem ser felizes tendo um marido. A questão é que autonomia econômica não garante a afetiva. Muitas se submetem a relacionamentos ruins por carência e por não suportarem a solidão e encarar a vida a partir de uma outra perspectiva que não seja a do casamento.

A maternidade passa por um raciocínio semelhante: é o principal projeto de vida da brasileira. "Todas nós, na infância, convivemos com brincadeiras, como bonecas e casinhas, que são uma espécie de treino para encarar esse projeto. Mesmo que a mulher não o escolha, ele faz parte da vida dela. Então, é difícil perceber sua real vontade, pois o próprio contexto cultural não oferece escolha", observa Mirian, autora de "A Revolução das Mulheres: Um Balanço do Feminismo no Brasil" (Ed. Revan) e "Homem Não Chora. Mulher Não Ri" (Ed. Nova Fronteira), entre outras obras.

O papel do machismo feminino
Em vez de tentarem romper esse padrão, assumindo para si mesmas os próprios desejos e colocando-os em prática, muitas mulheres acabam perpetuando essa cobrança e pressionando outras em relação ao destino considerado óbvio: casamento e filhos. "Muitas investem tanto nessa ideia que não admitem que a amiga ou a vizinha não invista. Elas ficam incomodadas"", diz Mirian.

Outras, quando encontram alguma mulher diferente do padrão antiquado, a olham com desconfiança e preconceito. Para Maria Alice Schuch, especialista em Políticas Públicas em Gênero e Raça pela UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), de Santa Maria (RS), pós-graduada em Psicopedagogia pela Universidade Castelo Branco, na capital carioca, as mulheres jogam constantemente entre si.

"A força que tem a mulher independente sempre vai ameaçar outras mulheres, consciente ou inconscientemente", explica Maria Alice, autora de "Mulher: Aonde Vais? Convém?" (Ed. Palmarinca). É mais fácil e cômodo se estabilizar nos estereótipos.

Fonte: Com informações da Uol

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