Outro embate -
Apesar de 5 a 4, presidente diz que relatório de CPI é rejeitado e deve enfrentar Questão de Ordem
Por Rômulo Rocha - Do Blog Bastidores

O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para apurar irregularidades na Saúde do município de Novo Oriente e que pediu indiciamentos de vários citados por suposta Organização Criminosa, recebeu 5 votos favoráveis e 4 contrários em plenário, mas segundo a presidente da Casa, vereadora Gilmara Ferreira (SD), o relatório foi rejeitado.
A votação ocorreu na manhã desta segunda-feira (2), e pelo entendimento posto, para ser aprovado em plenário, precisaria de um quórum qualificado de 2/3 dos presentes, no caso de 6 dos 9 vereadores. O relatório já havia sido aprovado no plenário da CPI por 2 votos a 1, mas teve que ir a plenário para outra rodada de votação.
Diante da proclamação do resultado e do entendimento, a presidente da Casa deve enfrentar Questão de Ordem a ser apresentada por vereadores, conforme apurou o Blog Bastidores, do 180graus.com, mas não para realizar nova votação, e sim para alterar o resultado emanado da votação realizada, em face de entendimento errôneo.
O Regimento Interno da Câmara Municipal em seu artigo 34, parágrafos 1º e 2º, diz:
"§ 1º A Comissão de Inquérito poderá examinar documentos municipais, ouvir testemunhas e solicitar, através do Presidente da Câmara, as informações necessárias ao Prefeito, Secretário ou a dirigentes da entidade de Administração Indireta.
§ 2º Mediante o relatório da Comissão o Plenário decidirá sobre as providências cabíveis, no âmbito político-administrativo, através de decreto-legislativo aprovado por pelo menos 2/3 (dois terços) dos vereadores presentes".
Foi com base nesse entendimento que houve a declaração de rejeição do relatório.
Essa questão regimental, no entanto, é passível de questionamento, em face do princípio da minoria, segundo os argumentos que podem vir a ser apresentados, também segundo apurações do Blog Bastidores.
Isso porque ao ter a CPI um caráter contramajoritário e refletir o direito da minoria (da oposição investigar um governo), submeter seu relatório ao plenário da Casa legislativa para nova votação e exigir quórum qualificado seria atingir "de morte" justamente essas características inerentes a uma comissão parlamentar de inquérito.
Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta Corte do judiciário brasileiro, no âmbito de julgado, a minoria parlamentar não poderia ver frustrada sua atuação. Esse julgado é um dos usados para interpretações de que é desnecessária a votação do relatório final de uma CPI pelo plenário da Casa.
"Existe, no sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, cujas prerrogativas - notadamente aquelas pertinentes ao direito de investigar - devem ser preservadas pelo Poder Judiciário, a quem incumbe proclamar o alto significado que assume, para o regime democrático, a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das instituições parlamentares. A norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República destina-se a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa, sem que, para tanto, mostre-se necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar. [...] A maioria legislativa não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art. 58, § 3º, da Constituição".
O §3º, do artigo 58, da Constituição Federal, que foi citado, diz que “As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.
A Questão de Ordem a ser apresentada diretamente à presidente da Câmara de Vereadores de Novo Oriente versará justamente sobre a necessidade de alteração do resultado e trará argumentos nesse sentido, baseado no princípio da simetria. Caberá à vereadora presidente da Casa decidir e justificar sua decisão.
O vereador relator da CPI Luís Lopes (PP) e o vereador presidente da CPI professor Júnior Martins (SD) devem alegar que a votação, na verdade, aprovou o relatório da CPI, e não que o desaprovou, portanto.
E que o Regimento Interno da Casa, ao prever quórum de 2/3, seria para “providências cabíveis” no âmbito “político-administrativo” e não para aprovar o relatório da CPI, documento este já aprovado na Comissão Parlamentar de Inquérito por 2 a 1. Sendo, no máximo, necessário maioria absoluta.
Dessa forma, como o resultado em plenário foi 5 a 4, por este entendimento ele estaria aprovado, embora não precise o documento ir, necessariamente, ao plenário para nova votação.
Parlamentares querem então que a presidente da Casa altere o resultado de ‘reprovação do relatório’ para ‘aprovação do relatório’.
O Supremo Tribunal Federal também já entendeu que não cabe ao presidente da Câmara Federal criar obstáculos naquilo que entende uma CPI.
"Não assiste ao Presidente da Câmara dos Deputados, em sua condição de “longa manus” de CPI já encerrada, questionar-lhe as deliberações nem contestar-lhe as determinações, não dispondo, por isso mesmo, de competência para negar eficácia ou para desconstituir tais resoluções, sob pena de infringir, de modo frontal, o princípio da colegialidade, que rege, no âmbito dos órgãos de investigação parlamentar, o respectivo processo decisório (STF, MS 34864 MC / DF)".
Para efeito de exemplificação, o relatório da CPI da Covid-19 no Senado Federal foi encaminhado para a Mesa Diretora da Cada já para as devidas providências e encaminhamentos e não para o plenário da Casa para nova votação.
E, em caso de necessidade de proposições legislativas advindas de sugestões de uma CPI é que o plenário da Casa, ou das Casas, vão deliberar.
Outro julgado do STF reafirma a independência da CPI para dar os encaminhamentos cabíveis.
"Não constitui demasia assinalar que a cláusula final do § 3º do art. 58 da Carta Política, ao referir-se ao encaminhamento das conclusões de uma Comissão Parlamentar de Inquérito ao Ministério Público, quis tornar indeclinável, sempre que necessária, essa providência, sem que isso, no entanto, represente qualquer obstáculo ao encaminhamento do relatório final a outros órgãos públicos, traduzindo essa medida simples diligência sujeita, em cada caso ocorrente, à avaliação discricionária da própria CPI, tal como o permite a já referida Lei nº 13.367/2016 (STF, MS 34864 AGR / DF)".
O relator da CPI da Câmara de Novo Oriente, Luís Lopes, já até anunciou que o relatório final da Comissão iria começar a ser entregue a órgãos da rede de controle para que tomassem as providências que entenderem cabíveis.
POSSIBILIDADE DE JUDICIALIZAÇÃO
Como informado na matéria, apresentada a Questão de Ordem, a presidente da Casa não iria realizar uma nova votação, a vereadora iria decidir, alterando ou não o entendimento, diante da votação já declinada.
Caso não acate os argumentos para modificação do entendimento oriundo da votação, há intenção de judicialização do caso, também conforme apurações do Blog Bastidores.
O relatório da CPI aprovado pela comissão pede além do indiciamento de vários nomes, a abertura de procedimento para cassação do mandato do prefeito de Novo Oriente, Afonso Sobreira. Aqui neste último caso - após um procedimento instaurado e após a defesa do gestor, passível de votação qualificada.
A CPI pediu ainda o envio das informações para vários órgãos da rede de controle e sugere ao Ministério Público que adote providências para a quebra do sigilo bancário, fiscal e de dados da empresa São Marcos Distribuidora, bem como de IPs para descobrir o uso indevido de senhas para pagamentos.
O prefeito Afonso Sobreira, em visita ao 180graus.com, negou quaisquer irregularidades.