
Polícia divulga áudios que mostram incitação ao crime e estrutura de comando em facção
Áudios divulgados nesta quinta-feira (04/07) pela Polícia Civil do Piauí expõem uma rede criminosa com funcionamento interno rígido, metas estabelecidas e doutrinação de novas integrantes. As gravações fazem parte da investigação que deu origem à Operação Faixa Rosa, deflagrada em abril pelo DRACO (Departamento de Repressão às Ações Criminosas Organizadas), e revelam a rotina de um grupo formado majoritariamente por mulheres com grande presença nas redes sociais.
Ao todo, 19 pessoas foram indiciadas por envolvimento com facções criminosas — 18 seguem presas preventivamente e uma está foragida. Entre as citadas está a influenciadora Ana Azevedo, que se defendeu em um dos trechos revelados pela polícia.
Os áudios, obtidos durante a investigação, mostram desde conflitos internos até instruções para assassinatos de rivais. As falas também revelam que as investigadas utilizavam códigos e termos próprios, além de possuírem uma espécie de estatuto com regras e punições para as que desobedecessem as normas do grupo.
Trechos dos áudios revelam comando interno e incitação ao homicídio
Em uma das gravações, uma mulher cobra ações violentas contra adversários da facção, sugerindo que a meta do grupo era eliminar os chamados “alemães”, termo utilizado para se referir a rivais:
“Bora caçar a meta de todo mundo matar alemão. Só ficar com fufu não. Toda vez um fufu pra nossa organização resolver… nossa organização não é só de fufu não.”
A fala demonstra insatisfação com integrantes que não estariam participando ativamente das ações violentas da facção.
Outro trecho mostra que o grupo operava com base em um sistema interno de advertências, chamado de “graus”, que indicaria o nível de punição por descumprimento de regras:
“Vê o estatuto de novo aí. O certo é o certo. Já foi um grau, dois de grau, três de grau, essa já é quarto grau, mano.”
A fala sugere que já havia uma escalada de punições em andamento, com base em critérios internos da organização.
Ana Azevedo tenta justificar posicionamento público
A blogueira Ana Azevedo, um dos nomes mais conhecidos entre as investigadas, aparece tentando explicar sua participação em um conflito com outra integrante. No áudio, ela afirma que agiu como influenciadora ao comentar publicamente o caso:
“Eu sim iria levar ela pra internet como vocês viram aí no print, porque eu sou uma pessoa pública e nós que somos blogueiras, algumas vezes é necessário postar algumas coisas.”
Facção promovia “ética do crime” para novatas
Outro áudio evidencia a prática de doutrinação de novas integrantes, com instruções explícitas sobre como agir conforme o “código do crime”:
“Se a Ana Azevedo quiser também, todo mundo dá uma forcinha pra ela… pra nossas irmãs estar aprendendo com nós um pouco do dia a dia, aprendendo a ética do crime com nós… elas entraram agora, não sabem muito, né, tá no estudinho ainda.”
Alvos eram identificados com riqueza de detalhes
Além de incitação à violência, as investigadas trocavam informações detalhadas sobre possíveis alvos. Endereços completos, nomes e até a cor da roupa das vítimas eram compartilhados como se fossem instruções para execução:
Layla Moura: “Aí dizendo aí, Cidade Nova, duas ruas 22, casa 242 é a casa deles, ou é a casa desse Breno aí de camisa branca?”
Eryka Carollyne: “A casa desse Breno aí, as informações. Tá tudinho aí, foi o Arlindo.”
Eryka: “Aí, só na maldade ele botou o endereço, ainda mostrou o jeito da casa aí, é mamão com açúcar pra derrubar todos os três.”
O termo “mamão com açúcar”, segundo a polícia, indica que seria fácil executar o ataque, dada a quantidade de informações repassadas.
Organização tinha cadastro com dados de integrantes
A investigação também apontou a existência de cadastros internos com dados como nome verdadeiro, apelido, área de atuação e data de entrada no grupo. Segundo o delegado Charles Pessoa, esses registros eram preenchidos após a aceitação formal do estatuto da facção.
“Havia metas internas, regras, grau de advertência e todo um código de conduta”, explicou o delegado.

Perigo digital
Para o DRACO, o mais preocupante é o uso das redes sociais como ferramenta de influência direta sobre o público jovem. As integrantes do grupo promoviam a imagem do crime como algo glamouroso, exaltando armas, dinheiro e poder, o que representa um risco à juventude em situação de vulnerabilidade.
“Influenciadoras com grande alcance digital vêm utilizando as plataformas como vitrines do crime, promovendo uma estética violenta, banalizando a criminalidade e incentivando a adesão de jovens ao tráfico de drogas, à organização criminosa e ao confronto armado com o Estado”, alerta Charles Pessoa.