Homofobia no futebol -

Casal homossexual é ameaçado após fotos em estádio viralizarem

    Reprodução Twitter

“A pessoa disse que ‘esse tipo de coisa não é aceitável no estádio’, que teriam que ‘dar um jeito'”. Dois namorados cruzeirenses estão sendo ameaçados pela própria torcida do clube. A história começou após uma foto dos dois se abraçando viralizar. A reportagem é de e Vitor Fernandes para o BHAZ.

O homem, de 24 anos, estava com seu companheiro, também de 24, durante a partida contra o Vasco, nesse domingo (01/09). Ainda nesse jogo, a torcida do Cruzeiro entoou um canto homofóbico.

Em entrevista ao BHAZ, uma das vítimas conta que é “um cruzeirense apaixonado”, e sempre vai ao estádio. “Só que eu não iria no jogo contra o Vasco. Fui porque o Mineirão está fazendo uma parceria com uma ONG que eu trabalho, aí a ação apareceu no telão, foi o lançamento do vídeo, fui lá só para prestigiar mesmo. Estava com o meu namorado, que também é cruzeirense, e trabalha nessa ONG”, explica (o medo do torcedor ameaçado é tamanho que o BHAZ preservará sua identidade).

“A gente estava vendo, esperando o vídeo passar. Estávamos nos abraçando, beijando, como um casal normal, nada demais. Eu achei que não tinha dado em nada, que nada tinha acontecido”, relata o torcedor.

“Mas ontem [terça-feira (03/09)], por volta das 18h, eu comecei a receber, de vários amigos, essa foto com algumas mensagens. Me falaram para ter cuidado. Foi tudo muito assustador, porque, em meia hora, oito pessoas me mandaram isso”, explica.

Medo

“Comecei a ficar com medo, eu não tinha reação. Percebi que tinha tomado uma grande proporção. Eu estava junto com meu namorado na hora, e ele também foi ameaçado. A gente ficou tão apavorado que não conseguia conversar, falar nada. A gente tem medo de acontecer coisa pior, até onde isso pode chegar”.

No início, o cruzeirense conta que não sabia se era só uma brincadeira (de mau gosto), ou algo grave de fato. “Até que eu recebi uma ameaça mais grave, por WhatsApp. A pessoa disse que ‘esse tipo de coisa não é aceitável no estádio’, que teriam que ‘dar um jeito’, que éramos muito ‘mimimi'”, afirma.

“Eu falei com a pessoa que iria até a polícia, e que levaria meu celular junto. Aí a pessoa ficou com medo e apagou a mensagem. Meu namorado recebeu ameaças antes de mim. Falaram para ele que estava rolando esse print dentro de grupos de torcidas organizadas”, relata.

    Foto: Reprodução/Twitter

“A proporção foi muito grande, a ponto de aparecer várias pessoas pelo Twitter para me alertar, e dar mensagens de apoio. Eu fiquei muito desesperado, com muito medo mesmo. Medo de ir embora para casa, as pessoas me reconhecerem na rua. Eu estou com medo até agora, não sei o que vai acontecer”, desabafa.

Torcedor vai evitar estádios

O torcedor explica que o sentimento é de medo, apreensão. “A princípio eu vou me resguardar. Não pretendo ir ao estádio por algum tempo, nem usar roupa do Cruzeiro, porque eu tenho medo do que pode acontecer mesmo. Enfrentar homofobia dentro do futebol é 10 vezes pior que o normal. Minha opção, e do meu namorado, é realmente deixar de ir ao estádio. Vamos esperar o processo judicial, perante as autoridades”, relata.

Mesmo com esse episódio, a paixão pelo clube continua. “É difícil falar sobre o Cruzeiro. É um amor igual a qualquer outro tipo de amor, é um sentimento forte. Desde 2008 que sou muito ligado ao Cruzeiro, dentro do estádio mesmo. Já me entreguei ao máximo pelo clube, é um sentimento inexplicável”, comenta.

O torcedor está em contato com seu advogado e estuda abrir processo contra as pessoas que fizeram as ameaças.

‘Lógica da masculinidade’

De acordo com Silvio Ricardo da Silva, professor de Educação Física da UFMG e coordenador do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT), o futebol, de uma maneira geral, “está muito ligado a uma lógica de masculinidade”.

“Na medida que esse esporte é tido como algo hegemonicamente masculino, criado por homens para homens, aquilo que sai dessa heteronormatividade, é algo indesejado. Como a questão da sexualidade vem sendo tão discutida na sociedade, isso também vai chegando no esporte”, explica o professor.

“Temos um reflexo desse conjunto que acaba representando a sociedade. Ainda bem que temos alguns sinais de certa consciência sobre isso, seja do ponto de vista educativo ou punitivo. Vislumbro tempos melhores para o que se refere à prática do futebol”, complementa.

STJD punirá por homofobia

O Brasil deu um passo em direção ao combate à homofobia no futebol. O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) divulgou um ofício direcionado aos clubes brasileiros para avisar que as agremiações serão punidas por atos dentro dos estádios. As sanções podem chegar até mesmo à perda de pontos.

Para cumprir a determinação, o ofício do STJD também foi direcionado aos árbitros, que deverão relatar qualquer tipo de manifestação preconceituosa nas súmulas das partidas.

“Que a partir desta data os árbitros, auxiliares e delegados das partidas relatem na súmula e/ou documentos oficiais dos jogos a ocorrência de manifestações preconceituosas e de injúria em decorrência de opção sexual por torcedores ou partícipes das competições”, diz, em trecho, o documento assinado pelo procurador-geral do órgão, Felipe Bevilacqua.

Nesse domingo (01/09), a torcida do Cruzeiro entoou um canto homofóbico ao final da partida contra o Vasco (relembre aqui). Contudo, o árbitro não registrou na súmula. Mesmo assim, o clube ainda pode ser punido, caso o STJD, já que o documento não é prova absoluta.

Em entrevista do BHAZ, o presidente da Torcida Organizada Galoucura, Josimar Júnior de Souza Barros, disse que os cantos homofóbicos não irão parar. De acordo com ele, a proibição do STJD está “acabando com o espetáculo do futebol”.

Homofobia é crime

Vale lembrar que orientação do STJD, de punir clubes por homofobia, ocorreu após o STF (Supremo Tribunal Federal) criminalizar o ato em junho. Portanto, gritos homofóbicos podem não apenas prejudicar o clube – até com perda de ponto -, como, principalmente, é crime:

  • “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito” em razão da orientação sexual da pessoa poderá ser considerado crime;
  • a pena será de um a três anos, além de multa;
  • se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação,
  • como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa;
  • a aplicação da pena de racismo valerá até o Congresso Nacional aprovar uma lei sobre o tema.

Por meio de nota, o Mineirão disse que “se colocou à disposição do torcedor e do Cruzeiro para que as pessoas sejam sempre respeitadas e bem recebidas no estádio”. O BHAZ entrou em contato com o Cruzeiro, mas ainda não recebeu retorno. Assim que tivermos um posicionamento oficial, a matéria será atualizada.

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