Governo adia novamente anúncio de pacote de cortes e frustra expectativas de mercado
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adiou novamente o anúncio do pacote de cortes de gastos, previsto para equilibrar as contas públicas, frustrando as expectativas que haviam sido criadas pelo próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Nos últimos dias, Haddad havia indicado várias vezes que as medidas seriam divulgadas nesta semana, apesar de informações nos bastidores de que o presidente ainda não havia tomado uma decisão final sobre as ações. A mais recente tentativa de fechar o pacote ocorreu na sexta-feira (08/11), quando Lula se reuniu no Palácio do Planalto com os ministros da Junta de Execução Orçamentária (JEO) – Haddad, Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviço Público) – e com os titulares das pastas que devem ser afetadas pelos cortes. O encontro, que durou cerca de 3h30, terminou sem um anúncio.
Essas reuniões foram precedidas por outros encontros com a Casa Civil e os ministérios setoriais, nos quais Lula não esteve presente. Nos bastidores, ministros de áreas sociais estão em disputa para manter os benefícios e políticas de suas pastas. A semana começou com Haddad alimentando a expectativa de que o pacote seria anunciado em breve, após cancelar uma viagem à Europa a pedido de Lula, para se concentrar em questões domésticas. Na segunda-feira (04/11), ele afirmou que o governo estava "na reta final" para divulgar as medidas, o que gerou uma reação positiva do mercado, com queda do dólar.
Na quarta-feira (06/11), Haddad reiterou que aguardava uma decisão final de Lula no dia seguinte, mas isso não ocorreu. Segundo o ministro, restavam apenas "dois detalhes" que dependiam de uma "arbitragem simples" do presidente. Na sequência, os ministros se reuniram por mais de cinco horas em uma nova tentativa de avançar nas definições, mas sem resultados concretos. Haddad também adiou sua viagem a São Paulo para participar dessa reunião, que ocorreu na tarde de sexta-feira.
A semana começou com Haddad provocando desconforto no mercado financeiro ao dizer que não havia prazo definido para o anúncio das medidas, o que levou a uma alta do dólar. Em seguida, houve o primeiro encontro com Lula no Palácio da Alvorada, que também contou com a presença de Gabriel Galípolo, futuro presidente do Banco Central.
A pressão sobre o governo aumentou devido à deterioração do dólar e das taxas de juros, reflexo da piora na percepção do mercado sobre a situação fiscal do país. O governo, por sua vez, afirmou que as medidas visam garantir a sustentabilidade fiscal, após o segundo turno das eleições municipais.
As ações estão sendo avaliadas tanto do ponto de vista fiscal quanto político. O governo já descartou mudanças na vinculação de benefícios sociais, como o abono salarial e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), ao salário mínimo, embora ainda haja defensores da alteração do valor do BPC. Por outro lado, a ideia de mexer nos pisos de gastos em Saúde e Educação foi vista como uma proposta pouco viável, dada a resistência política e os ganhos fiscais limitados.
O abono salarial, por exemplo, que custa cerca de R$ 30,7 bilhões em 2025, deve passar por um redesenho, com a possibilidade de ser mais focalizado, como forma de reduzir custos. Além disso, há discussões sobre a limitação do ganho real do salário mínimo, com uma possível correção de até 2,5%, em vez de vincular o aumento à variação do PIB, como ocorre atualmente. Essa medida, se adotada, poderia gerar uma economia de cerca de R$ 6 bilhões em 2025, mas enfrenta resistência.
Uma das alternativas discutidas para ajudar a reduzir os custos é a revisão de subsídios e desonerações. A ministra Simone Tebet, do Planejamento, defendeu uma redução gradual dos subsídios tributários e financeiros, atualmente em torno de 6% do PIB, com a proposta de reduzir essa porcentagem para 2% ao longo de oito anos. Algumas ideias, como cortes lineares nesses incentivos, estão sendo avaliadas, embora o modelo já tenha sido tentado no passado sem sucesso.
Ao mesmo tempo, a equipe econômica busca conciliar o ajuste fiscal com uma narrativa política que não desagrade as bases do governo. Isso ocorre enquanto o Congresso Nacional está prestes a aprovar uma proposta para aumentar em R$ 11,5 bilhões as emendas parlamentares, o que complica a comunicação sobre os cortes, especialmente em benefícios como o BPC, o abono salarial e o seguro-desemprego.
O governo também estuda ações para combater fraudes nos benefícios sociais. Uma dessas medidas seria reduzir o prazo de atualização do Cadastro Único, ampliando a revisão para quem está desatualizado há mais de 24 meses, em vez dos atuais 48 meses, como era permitido durante a pandemia de Covid-19.
Quanto aos custos das principais despesas em 2025, destacam-se:
Abono salarial: R$ 30,7 bilhões
Seguro-desemprego: R$ 56,8 bilhões
BPC: R$ 112,9 bilhões
Piso da Saúde: R$ 228 bilhões
Piso da Educação: R$ 113,6 bilhões
Ganho real do salário mínimo (considerando alta de 2,9%): R$ 17,3 bilhões