Flexibilidade e conciliação -

A voz de Deus é a voz do povo: deixa o Mito pedalar, diz Mario Rosa

Política: flexibilidade e conciliação

As pedaladas sempre existiram

Brasília é realmente uma cidade imaginária. Enquanto Versalhes discute pomposamente “teto de gastos”, aquela outra partezinha em volta do quadrilátero –chamada caprichosamente de “Brasil”– discute o “abismo social”.

Ora, ora, senhores! A tentação do Mito de querer fazer uma pedalada assistencial para se reeleger –colocando o Renda Brasil na veia do povo– não é nova. Nova é essa súbita síndrome de responsabilidade canina com abstrações contábeis para conduzir a política. Vejamos.

(Antes de tudo, para os “racionais”: não se está pregando aqui o fogo às vestes, o populismo fiscal, o curto prazo em sacrifício do desenvolvimento sustentável. Não. É preciso haver disciplina fiscal, claro. Mas todos os últimos presidentes, cada um ao seu modo, fizeram gradações na aplicação dessa “responsabilidade”.

A política é isso: flexibilidade, conciliação. Ainda mais na contabilidade nacional, cheia de números mastodônticos e quase imaginários. Ou seja, há muito espaço para resolver o equilíbrio fiscal fora a única premissa de engessar politicamente o Mito). Vejamos, de novo.

O inefável José Sarney foi o autor de uma das maiores pedaladas da historia, a pedalada inflacionária, chamada “Plano Cruzado”. Segurou aritificialmente a inflação até depois da eleição. Com isso, elegeu todos os governadores e uma maioria fundamental para que a Constituinte –sim, senhoras e senhores, a Constituição de 1988 é fruto de uma “pedalada”– não se tornasse um depositário (ainda maior) de alucinações e idealismos humanitários mofados.

A pedalada inflacionária de Sarney estava certa? Historicamente falando? Olhando em perspectiva? Sim. Porque assegurou a estabilidade institucional, embora possa ser visto também como um estelionato eleitoral pelos críticos.

A pedalada do milênio chamou-se “Plano Real”. O astucioso presidente Fernando Henrique criou a “pedalada monetária” para se reeleger: segurou articialmente a “paridade” entre o dólar e o real –um dólar valia um real: viva o Brasil!– até depois da eleição de 1998.

Eleito, adotou o câmbio flutuante. Tudo explodiu, inclusive a popularidade do governo, as taxas de juros que chegaram a quase 50% em termos reais, as reservas derreteram, o governo teve de fazer acordos humilhantes com o Fundo Monetário Internacional. Olhando em perspectiva foi algo positivo? O segundo mandato de Fernando Henrique deixou alguns marcos importantíssimos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e a própria continuidade de inúmeras políticas de estabilização iniciadas no primeiro mandato.

A “pedalada fiscal” de Dilma, essa, entrou para a História. O governo turbinou os gastos públicos, num movimento anticíclico após a erosão do superciclo das commodities provocado pelo aspirador de compras, chamado PIB chinês crescendo a 15% ao ano. Dilma se reelegeu, incinerando dinheiro público. Ganhou por pouco. Depois foi derrubada, mais por falta de equilíbrio para guiar a bicicleta do que pelo problema com os pedais. Houve méritos nas pedaladas dilmistas? No mínimo, acrescentou um compêndio de experimentações fiscais para futuros estudos de economistas.

E agora? Com o Mito? Como resistir a praticar uma “pedalada assistencial”? O Programa Emergencial está aí, quicando, a pandemia não foi criada por ele, há a possibilidade concreta do Mito entrar pra História como o autor do maior programa assistencial do país. E com justificativa: em tempos de grave crise. Um Roosvelt brasileiro. Aliás, o original se elegeu e se reelegeu por causa da miséria e se reelegeu outras duas vezes –único tetrapresidente americano– por causa da Segunda Guerra Mundial.

E o Mito só precisa pedalar assistencialmente nos próximos vinte e poucos meses: incomparavelmente mais barato do que as pedaladas tucanas, petistas e a de Sarney. E o tamanho da pedalada? Definamos. Não precisa ser gigantesca. E com uma justificativa histórica inquestionável, como a de Roosevelt: quem se lembra de algum viaduto, estrada, barragem feita pelo presidente americano no primeiro mandato? Sua grande obra foi a social, o New Deal.

Salvar a economia, salvar os mais desprotegidos? Os tecnocratas míopes vão ficar contra isso? Podem até ficar. Os políticos “responsáveis” também? Ora, me poupem: todos sabem que o Mito com o Renda Brasil é um candidato forte. E a “responsabilidade fiscal” é um biombo para minar suas chances. Também.

E importante: o Brasil, desde Fernando Henrique e com impulso virtuoso de Lula, já vem ampliando e praticando políticas de proteção social há duas décadas. É o imposto de renda negativo: dar uma parte da riqueza do país para que não haja miséria. Não teremos chegado a essa altura a um estágio de maturação histórica, econômica e social que nos permita, como sociedade, erradicar a miséria absoluta entre nós? Já não temos condições de pagar por isso? Não é algo que vale a pena sob o ponto de vista não apenas moral, mas da própria estabilidade do sistema econômico e social?

Então, estamos assim: o Mito precisa quebrar o Brasil para se reeleger? Não necessariamente.

Com a aliança com os setores conservadores do parlamento, caricaturizado pela imprensa como “ Centrão”, ele pode avançar em diversas medidas modernizadores que compensem sua pedalada assistencial. Reeleito, como fez Fernando Henrique (mas sem a destruição nuclear da pedalada monetária, frise-se), pode encaminhar um governo de enormes e impactantes medidas liberalizantes.

Qual é o problema? O problema é de quem não gosta do Mito. E aí fica batendo na tecla da “responsabilidade fiscal”.

Fala sério!

Prefiro cantar um jingle:

“Nosso povo pobre hoje tem vez
Deixa o Mito pedalar
Meu Brasil auto-suficiente
Deixa o Mito pedalar…”.

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