Inthegra Teresina -

Veja os 18 pontos de auditoria que teriam contribuído para ruína do transporte público em Teresina

Por Rômulo Rocha - Do Blog Bastidores

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- Conselheiro substituto Delano Câmara é o relator da auditoria e pediu que os relatórios fossem tornados públicos para discussão pública. Alguns podem pensar sobre o porquê de um membro do TCE ter que pedir para que algo assim tão importante para a coletividade seja tornado público. É que a Corte tem mantido documentos de interesse público sob sigilo temporário durante a tramitação dos casos. Em sendo assim, se um processo demorar 5 anos para ser julgado, então pouco se saberá sobre ele nesse tempo.

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Foto: Reprodução/TCE

Um relatório de auditoria tornado público pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PI) e que ainda será discutido, em audiência pública, no próximo dia 23 junho, aponta eventuais 18 principais causas que teriam contribuído para o que é hoje o sistema de transporte público coletivo da capital, rotulado de Inthegra Teresina. Um projeto multimilionário que não se saiu tão bem ao ser retirado do papel. 

O trabalho de técnicos do TCE avalia o transporte público da capital no período de 2014 a 2022 e foi feito por auditores da Diretoria de Fiscalização de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano (DFINFRA).

Abaixo 18 pontos que evidenciam a fragilidade do sistema.

Os autores envolvidos - STRANS, consórcio SITT, empresas e outros - terão a oportunidade de apresentar suas argumentações sobre os temas abaixo também durante a audiência pública.

O QUE JÁ DEVIA SER PÚBLICO TEVE QUE SER AUTORIZADO PARA SE TORNAR PÚBLICO 

O conselheiro substituto Delano Câmara é o relator da auditoria e pediu que os relatórios fossem tornados públicos para discussão pública.

Alguns podem pensar sobre o porquê de um membro do TCE ter que pedir para que algo assim tão importante para a coletividade seja tornado público, a ponto de ter que ir à votação plenária para que haja uma decisão.

É que a Corte tem mantido documentos de interesse público sob sigilo (há outro nome?) temporário durante a tramitação dos casos.

Em sendo assim, se um processo demorar 5 ou 7 anos para ser julgado, então pouco se saberá sobre ele nesse tempo.

Foto: Divulgação/TCE-PI _Conselheiro Substituto Delano Câmara
_Conselheiro Substituto Delano Câmara, relator do caso e responsável por pedir o debate público

VAMOS AOS PONTOS, EXTRAÍDOS NA ÍNTEGRA DOS AUTOS DA AUDITORIA

1 - Falha na Integração entre Linhas Interterminais

A integração entre os diferentes tipos de linhas ofertadas pelo Sistema Inthegra foi prejudicada, pois não houve a implantação das linhas interterminais, entre zonas, conforme havia sido previsto no Edital da Concorrência nº 001/2014. Tal falha foi observada durante a realização de inspeções “in loco” e ratificadas por representantes da
STRANS. Ademais, a não implantação desse tipo de linha pode ter tido origem pela baixa demanda de passageiros que precisam se movimentar entre as Zonas da Cidade ou a não implantação total dos equipamentos previstos no Projeto Básico. Essa situação pode ter ocasionado um aumento do tempo de viagem para o usuário que precisava se movimentar entre as zonas, pois, para ocorrer essa migração, seria necessário que o passageiro se deslocasse para o Centro e, posteriormente, ao destino pretendido.

2 - Insegurança quanto à Integridade Física de Alguns Equipamentos

Foi verificado que as estações de transbordo de canteiro central encontram-se sem garantias de segurança do próprio equipamento ou do usuário que espera o ônibus nesses locais. Essa situação vai de encontro ao positivado ao artigo 14, “iv” da Lei nº 12.587/2013 (Política Nacional de Mobilidade Urbana) a qual determina ser um direito do usuário ter um ambiente seguro para utilização do Sistema de Mobilidade. Tal fato pode ser evidenciado a partir de reportagens veiculadas na mídia, inspeções “in loco” e a informações coletadas junto aos representantes da STRANS. É importante apontar que uma das possíveis causas da depredação das estações é a rescisão do Convênio entre a Polícia Militar com a Prefeitura Municipal de Teresina, o qual tinha como objeto a garantia de segurança nesses equipamentos. É válido mencionar que essa percepção de insegurança por parte do usuário pode ter contribuído para afastá-lo do Sistema.

3 - Frustração de Receitas Acessórias

Não foi constatado o recolhimento de receitas com publicidade as quais, conforme o Edital da Concorrência nº 001/2014, iriam compor a remuneração global do sistema. Tal situação foi identificado quando das inspeções “in loco” e durante a análise dos extratos bancários do FUNTRAN, sendo, posteriormente, ratificadas por representantes da
STRANS. Esse contexto pode ter origem por deficiências na fiscalização por parte da STRANS, pois foram veiculados propaganda nos ônibus e não foram devidamente depositadas as “quotas” correspondentes no Fundo. Essa frustação das receitas acessórias repercutiu na majoração do aporte de subsídios do Poder Público ao Sistema.

4 - Falta de Integração Física

Os Terminais de Integração foram desativados para evitar contaminações por conta da ocorrência da pandemia Covid-19, ou seja, o Sistema deixou, a partir daí, de contar com a integração física, conforme havia sido previsto no Edital Concorrência nº 001/2014. Mas, apesar do período mais crítico da Pandemia ter passado, consoante observações nos locais e informações coletadas junto a STRANS, não houve o retorno da operação desses equipamentos, e, por conseguinte, o sistema tronco-alimentado foi preterido em relação ao radial que é marcado pela ineficiência e sobreposição de linhas.

5 - Pavimento com Deformidades no Trajeto Percorrido pelos Ônibus, nos Bairros

Foram identificadas, em inspeções “in loco”, patologias do tipo “panelas” em vários trechos dos pavimentos nas vias dos bairros as quais faziam as vezes, no sistema troncoalimentado, de via alimentadora. Essas patologias podem ter origem na falta de controle tecnológico durante a execução do pavimento, conforme preconiza a Norma DNIT nº 031/2006, ou de manutenção dos tipos preditiva, preventiva, planejada e corretiva. Em decorrência, a operação do sistema fica prejudicada, pois essas patologias têm o poder de gerar danos mecânicos nos ônibus quando as transpassa ou podem gerar desvios de rotas, a fim de evitar o dano ao veículo. Além de encarecer os custos com manutenção para o operador, ao transitar sobre esse pavimento, há a trepidação do veículo que causa desconforto no passageiro.

6 - Falta de Sincronia entre as Linhas Alimentadoras e as Troncais, quando da Operação do Inthegra

Analisando as reportagens veiculadas na mídia, à época, e as informações coletadas junto a representantes da STRANS, constatou-se que ocorreu uma concentração exagerada de passageiros nos terminais de integração, a qual pode ter origem na falta de um sistema de controle de fluxo de veículos automatizado e na forma de remuneração usuário-pagante, causando, assim, um tempo de espera vivenciado pelo passageiro muito acima do planejado, contrariando, dessa forma, o Edital da Concorrência nº 001/2014.

7 - Fragilidade do Modelo de Remuneração diante de Variações na Demanda e nos Custos Operacionais

Devido à remuneração dos operadores estar sujeita às variações de demanda e custo operacional, há necessidade de frequentes revisões contratuais para a manutenção do equilíbrio do sistema. Essa instabilidade contratual tem como resultado um ambiente litigioso entre o poder concedente e os concessionários, pois diante de reduções no nº de passageiros transportados e/ou aumento dos custos operacionais, há um reflexo no montante de subsídios necessários para o sistema, além da necessidade de outras medidas de gestão por parte do poder concedenteNesse contexto, a depender do grau de gestão contratual, pode ocorrer uma tendência à precarização do serviço e ao colapso do sistema.

8 - Dependência Excessiva do Sistema de Transporte Público Coletivo Urbano de Teresina em Relação à Arrecadação Tarifária dos Passageiros Pagantes

Devido à previsão inicial de que 94% das receitas do sistema de transporte público de Teresina seriam provenientes da “Arrecadação Tarifária” dos usuários, e que apenas 6% corresponderiam a “Subsídios Complementares”, há uma vulnerabilidade do sistema diante de possíveis quedas na arrecadação tarifária, podendo comprometer o fluxo de caixa dos consórcios, demandando subsídios complementares para a manutenção da receita bruta necessária à operação. Nesse cenário, caso não sejam adotadas medidas saneadoras por parte do poder concedente, pode haver uma tendência à precarização do serviço, e esse efeito pode acentuar a fuga de usuários para outros modais de transporte, colaborando para o processo de colapso do sistema.

9 - Ausência de Cláusulas Contratuais de Alocação de Riscos
Devido à ausência de cláusulas de compartilhamento de riscos entre as partes, bem como à existência de cláusula contratual abrangente versando sobre pleitos de revisão contratual (conforme previsto na Cláusula 33ª dos contratos de concessão),  há o risco de que a alocação dos riscos associados ao serviço concedido ocorra de forma unilateral, onerando exclusivamente o poder concedente.

10 - Falta de Políticas e Controle sobre a Segurança das Informações do Sistema de Bilhetagem Eletrônica

A norma NBR ISO/IEC 27001:2013 estabelece os requisitos para um sistema de gestão da segurança da informação (SGSI) enquanto a NBR ISO/IEC 27002:2013 estabelece um código de boas práticas para a segurança da informação. Essas normas definem as diretrizes para o planejamento, implementação, monitoramento, gerenciamento de riscos e melhoria contínua da segurança da informação em uma organização. Para um sistema de bilhetagem eletrônica, garantir a segurança da informação é fundamental, uma vez que os dados dos usuários, informações financeiras e informações de viagens precisam ser protegidos. Em entrevista com o Consórcio Operacional SITT, o gestor assegurou que possui um documento que explicita a segurança da informação da bilhetagem, porém não partilhou tal documento com as práticas adotadas. A formalização de um documento descrevendo as políticas sobre a Segurança das informações adotadas mitiga riscos de perda, adulteração, fraude e vazamento dos dados.

11 - Ausência de Auditorias Certificadas por Organizações Independentes no Sistema de Bilhetagem Eletrônica

Conforme o Projeto Básico – Especificações Básica do Sistema Eletrônico de Bilhetagem publicado no edital de concorrência, a STRANS tem como atribuição realizar auditorias a fim atestar a integridade do Sistema Eletrônico de Bilhetagem. Além disso, a norma NBR ISO/IEC 27002:2013 – Seção 15 ressalta a realização de auditorias certificadas por organizações independentes como critério fundamental para garantir a entrega adequada das informações prestadas pela SEB. O consórcio operacional e a STRANS, em entrevistas, não relataram o registro de tais auditorias. A ausência de estrutura e de
pessoal na área de TI (Tecnologia da Informação) do órgão fiscalizador e a falta de previsão contratual definindo a periodicidade e obrigatoriedade dessas auditorias limitam sua execução
. A realização dessas auditorias certificadas por organizações independentes tem como objetivo avaliar se o SEB está em conformidade com as normas estabelecidas, como a ISO 27001 (Segurança da Informação) e verificar a integridade dos dados do sistema a fim de evitar ou mitigar o risco de perda, adulteração e fraude na transmissão das informações do sistema.

12 - Falta de Conhecimento da STRANS do Valor de Créditos não Utilizados ou Vencidos Arrecadados no Sistema de Bilhetagem

O Projeto Básico – Especificações Básica do Sistema Eletrônico de Bilhetagem publicado no edital de concorrência prevê que o SEB forneça relatórios financeiros detalhados sobre os créditos armazenados nos cartões recarregáveis dos usuários. A Lei 8.987/1995 também em seu art.30 prevê que a concessionária transmita ao poder concedente todos os seus dados econômicos e financeirosEm entrevista realizada com a STRANS relataram a dificuldade em obter esses dados e desconhecem a quantidade de créditos represados no sistema. O Consórcio Operacional SITT argumenta que não tem a obrigação de fornecer esses dados por ser informações privadas provenientes do comercial das empresasO desconhecimento desses valores evidencia uma receita fora do controle do Poder Público e prejudica ao obter a real arrecadação tarifária do SEB.

13 - Falta de Controle Efetivo do Cumprimento, pelos Operadores do Sistema, das Ordens de Serviço Emitidas

Essa problemática tem sido causada pelo conflito de interesse devido aos dados serem coletados, tratados e fornecidos pelas próprias empresas contratadas sem a possibilidade de aferição precisa pelo poder público e pela inércia da STRANS em instituir controles internos destinados a promover conferência de dados do sistema de bilhetagem. Tal situação foi identificada devido a constatação da operacionalização dos dados de bilhetagem por parte do SITT e empresas contratadas, pela falta de prestação do serviço conforme determinações emitidas pelo Gestor, e em Ordens de Serviço emitidas sem conformidade com a cláusula 12 do edital de concorrência. Tal insuficiência de controle provoca falta de transparência no real cumprimento da ordem de serviço, falta de confiança entre os agentes envolvidos, e a realização de um serviço de forma precária.

14 - Insuficiência de Fiscais

A STRANS informou que dispõe de um número insuficiente de profissionais para realizar a fiscalização da prestação do serviço de transporte público pelos operadores do Sistema seja por falta de concursos públicos específicos ou falta de contratação direta de pessoal. Tal situação foi evidenciada pela afirmação do Órgão de que possui só 35 fiscais disponíveis.

15 - Falta de Rotina de Capacitação para os Fiscais

Notou-se a falta de um plano de capacitação para os fiscais, devido à ausência de programação de cursos e treinamentos para os profissionais envolvidos na fiscalização. Tal situação foi evidenciada por informações fornecidas pela STRANS de que não houve realização de cursos e treinamentos nos últimos anos.

16 - Falta de Aplicação de Multas por Condutas Irregulares dos Operadores

Constatou-se a ausência de aplicação de multas por condutas irregulares dos operadores, decorrente da falta de logística para aplicação de penalidades evidenciada por informações fornecidas pela STRANS do alto número de notificações registradas sem a completude do processo de multas, o que pode levar a impunidade dos infratores e à perpetuação de problemas na prestação do serviço.

17 - Falta de Aferição de Indicadores de Desempenho do Sistema

Constatou-se que por falta de contrato das concessionárias com empresa de aferição de indicadores de acordo com o capítulo IX dos respectivos contratos de concessão, ocorre a ausência de aferição de indicadores de desempenho do sistema. Esse fato, evidenciado por informações da STRANS, fragiliza as ações de melhorias da STRANS, dificulta a identificação de oportunidades de melhoria, impossibilita o controle sobre o desempenho das contratadas, dificulta a implantação da gestão de qualidade do sistema e a
operacionalização do controle social
.

18 - Falta de Efetividade da STRANS na Fiscalização e Controle do Contrato 

Foi identificado como causas da fragilidade da STRANS em promover uma efetiva fiscalização e controle dos contratos, a posição estratégica político decisória do Órgão, a estrutura organizacional insuficiente, a ausência de estrutura logística da STRANS para a apuração de irregularidades e aplicação de penalidades aos operadores do Sistema, a falta de parâmetros para controle da prestação do serviço, a insuficiência de recursos humanos e materiais para realizar uma efetiva fiscalização dos contratos. Essas constatações foram evidenciadas por informações que estão contidas em Relatório de Análise Técnica, pelo organograma da própria prefeitura municipal e da STRANS, pela ausência de divulgação de informações de desempenho da prestação do serviço, por notificações emitidas sem recolhimento de multas, pela ausência de plano de capacitação técnica para os fiscais e pela repercussão negativa do desempenho do sistema expressadas nas repetidas reclamações dos usuários. Como resultado tem-se a não conformidade na operação do sistema, a precarização e a falta de controle do serviço prestado.

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