Rebateu ataque de advogados -

Juíza do Piauí sai em defesa da lisura do Tribunal do Júri em sessão que julgou ex-policial militar

Por Rômulo Rocha - Do Blog Bastidores

 

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- "(...) não se remete causas para julgamento para este tribunal por capricho ou porque se acha bonito reunir esse tribunal para julgar (...)"

- “Vontade temos é de que não precisássemos nos reunir, porque no dia em que isso chegar, nós chegaremos no ideal de sociedade tão sonhada por todos nós, onde se respeita o maior bem do ser humano que é a vida. Mas enquanto isso não ocorrer, esse tribunal vai se reunir. Não para julgar filho da Maria, do João ou do José, ou do servidor tal, porque isso não interessa a este tribunal”

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PRESIDÊNCIA IRRETOCÁVEL

Juíza Zilnar Coutinho, atuação elogiada...
Juíza Zilnar Coutinho, atuação elogiada... 

A juíza da 2ª Vara do Tribunal Popular do Júri, Maria Zilnar Coutinho Leal, ao fim do julgamento em que o réu era o ex-militar Igor Araújo – acusado de matar Alan Silva em um posto de combustível na avenida João XXIII com cinco tiros pelas costas e nas costas -, fez uma dura defesa do papel e da lisura do tribunal na sociedade, em face de investidas dos advogados de defesa e até de familiares e amigos presentes no auditório, de que o caso só foi julgado rápido, em cerca de dois anos, em virtude do pai da vítima ser um oficial de justiça lotado nos altos escalões do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI).

“Eu me vi surpresa hoje com as falas de vossas excelências. Sempre defendi, e acredito nesse tribunal, como um tribunal mais democrático, como um órgão mais democrático do poder judiciário. Para eles são remetidas as causas afetas aos crimes dolosos contra a vida. Portanto, não se remete causas para julgamento para este tribunal por capricho ou porque se acha bonito reunir esse tribunal para julgar qualquer uma das causas que tramitam quer na primeira vara do júri, quer na segunda vara do júri”, iniciou.

“Ouvi hoje se valorar muito [isso], e aqui não se remete para ser julgado por esse tribunal, o filho do João, da Maria e do José. Não nos interessa e nem interessa a esse tribunal quem são os pais, quem são os familiares de cada acusado ou os pais e familiares de cada vítima, e aqui vi e ouvi o dia quase que completo [isso]. Esqueceram que as partes desse processo têm nome, e não é pai do acusado, não é a função que o pai do acusado ocupa na nossa sociedade... Não é o pai da vítima, e nem a função que ocupa o pai da vítima que fez com que essa causa fosse remetida para julgamento neste tribunal”, tascou.

Elogiada pela forma como conduziu o julgamento, pulso forte, sem ser grosseira, e pela sentença, “uma das brilhantes que já vi na vida”, disse o advogado de acusação Gilberto Ferreira durante entrevista, a magistrada Zilnar Coutinho declinou ainda - sobre o tema da invenção por terceiros do privilégio - que “as regras do nosso ordenamento jurídico e da nossa Constituição Federal são muito claras quando se definiu a competência do Tribunal do Júri. O legislador constituinte na sua soberania o fez porque entendeu que o cidadão comum, do povo, era sábio o suficiente para julgar os semelhantes dele pela prática de um dos crimes mais graves que afetam a nossa sociedade, que é o crime doloso contra a vida - aquele que tira a vida de um ser humano. E não foi por outro motivo que este processo, que esta ação foi remetida para julgamento por este tribunal”, acresceu.

Ao se referir ao juiz que se declarou suspeito para tocar o julgamento ela procurou o eximir de qualquer favorecimento a ambas as partes, imputando-lhe somente a prática do Direito.

“O colega [Antônio Nollêto] que presidiu a primeira fase da instrução desse processo, por certo, não sabe quem são os pais nem os familiares do acusado [ligado ao filho o ex-prefeito de Avelino Lopes] e nem da vítima e nem interessa saber. Assim como essa magistrada que assumiu a presidência desse processo em razão da suspeição declarada pelo juiz anterior que o presidiu [Antônio Nollêto], também não sei quem são e nem me interessa saber. Assim como os senhores jurados que hoje constituíram o Conselho de Sentença também não sabem quem são os pais, nem que são os familiares do acusado ou da vítima deste processo, porque o que interessa a este tribunal é o fato”, delineou.

A magistrada também avaliou que ali, naquele momento, após a condenação do militar a 16 ano e 15 dias de reclusão em regime fechado pelo crime de homicídio, o que existia eram “duas famílias de coração dilacerado”.

“O Conselho de Sentença que se reuniu sabe que, por trás desse processo, tem duas famílias de coração dilacerado, mas para eles [o Conselho de Sentença] não interessa saber quem são estes familiares. Sabe-se o quê? O ser humano não nasce do nada. Todo ser humano tem um pai e tem uma mãe, mas para o julgamento do fato não interessa quem é este pai, nem quem é esta mãe na nossa sociedade e nem a função que este pai ou esta mãe ocupa na nossa sociedade. Reuniu-se hoje esse Conselho de Sentença para julgar sim, uma ação penal em que era acusado um cidadão de ter ceifado a vida de outro cidadão cujos nomes são perfeitamente identificados e nominados nesse processo”, disse.

Em outro trecho de sua fala realizada logo após o final da leitura da sentença, Zilnar Coutinho interpretou que “em algumas circunstâncias, quando eu vejo os meios de comunicação noticiando um fato e esquecendo o nome do autor daquele fato e nominando os familiares que estão no entorno eu até entendia e entendo que talvez a imprensa o faça porque chama mais atenção, mas nesse tribunal eu não consigo entender porque se valorar o pai, a mãe, a tia, o avô das partes que estão envolvidas nesse processo. É isso que eu tinha que acrescentar por conta do que eu ouvi hoje aqui, porque na realidade eu sou uma defensora assídua, assim como inúmeros outros estudiosos e amantes do Tribunal do Júri, e por certo, como se trata de cláusula pétrea, o Tribunal do Júri ainda vai julgar inúmeros processos. Pelo menos estes tribunais aqui e de resto do país afora, ainda vão julgar inúmeros processos decorrentes da prática de crimes dolosos contra a vida”, posicionou-se.

Registro de um dos momentos do embate jurídico
Registro de um dos momentos do embate jurídico  

O IDEAL DE SOCIEDADE DEFENDIDO PELA JUÍZA

A togada também manifestou seu ponto de vista sobre a sociedade ideal, aquela que não precisaria reunir seus pares para julgar homicidas. “Vontade temos é de que não precisássemos nos reunir, porque no dia em que isso chegar, nós chegaremos no ideal de sociedade tão sonhada por todos nós, onde se respeita o maior bem do ser humano que é a vida. Mas enquanto isso não ocorrer, esse tribunal vai se reunir. Não para julgar filho da Maria, do João ou do José, ou do servidor tal, porque isso não interessa a este tribunal. Interessa sim o fato e todas as circunstâncias que envolveram aquele fato. É para essa finalidade que os senhores jurados são convocados e é com esta missão que os jurados ainda se reúnem para julgamento. Não interessa aos senhores jurados, de resto, a não ser o que está neste processo”, reforçou.

AUSÊNCIA DO POVO

Zildar Coutinho também lamentou a ausência do povo a discutir os problemas que resvalam no seio social nas mais diversas comunidades, embora o auditório naquele julgamento estivesse cheio.

“Apesar de ser um tribunal muito democrático, educativo, o povo hoje, cheio de tantas atribuições, já não busca mais assistir às sessões deste tribunal, conhecer os problemas que assolam a comunidade e estão presentes em cada uma dessas sessões”, pontuou.


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