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Dan Stulbach fala sobre teatro e elogia Tony Ramos e Manoel Carlos

Existem dois tipos de atores: os que imprimem sua própria personalidade aos papéis e os camaleônicos, que surpreendem a cada novo trabalho. Dan Stulbach faz parte do segundo grupo. Desde que encantou o público na peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz, ao lado de Tony Ramos, o ator se destaca por nunca se repetir, seja nos palcos ou nas telas.

Foto: Reprodução/Instagram

Agora, Dan vive o personagem Shylock na montagem contemporânea de O Mercador de Veneza, de Shakespeare, em cartaz no Rio de Janeiro até domingo (15). A peça revisita temas do autor inglês, alinhando-os a discussões atuais, como intolerância e preconceito.

“Tenho fé na humanidade, senão não faria o que faço”, diz o ator, em entrevista ao NEWMAG. Ele fala sobre os desafios da carreira, o impacto da arte na transformação social e relembra seu papel na novela Mulheres Apaixonadas, que trouxe à tona o debate sobre violência contra a mulher. “Ainda há muito a fazer”, afirma.

Retorno a Shakespeare

Você volta a Shakespeare numa montagem que ressalta a atualidade do texto. O que te motivou a aceitar esse desafio?

— O tema e a possibilidade de voltar a Shakespeare. Quando fiz Sonho de uma Noite de Verão, era muito jovem. Sempre quis retornar a esse universo. Assisti O Mercador de Veneza com Al Pacino, no Central Park, e me marcou muito. A peça provoca uma reflexão fundamental: até onde o ódio pode nos levar? Estou cercado de atores mais jovens, numa encenação que estabelece pontes com o mundo de hoje. Isso também me atraiu.

O que te atrai em um personagem?

— Ele precisa me levar a uma nova dimensão de sentimentos e de questões que eu não conheça. Precisa me ensinar algo, me fazer crescer. A escrita e a palavra são os pilares do meu trabalho.

Uma carreira sem fórmulas

Você nunca se repete em cena e já foi comparado a Tom Hanks, embora esteja mais para Laurence Olivier. De onde vem essa característica?

— Sempre busquei não repetir fórmulas. Não controlo como as pessoas me veem, e essa comparação com o Tom Hanks veio disso. Minha imagem é construída pelo trabalho. A cada projeto, me conecto com quem veio antes. Laurence Olivier, que fez Shylock, e Patrick Stewart são grandes referências.

Fé na humanidade

Sendo descendente de imigrantes, como você vê o aumento da resistência às ajudas humanitárias e a intolerância no mundo?

— Tenho fé na humanidade, do contrário não faria o que faço. Acredito que a arte transforma pessoas e sociedades. Vivemos um tempo de opulência do ódio, mas acredito que, em certos momentos, a sociedade percebe e reage a essas hegemonias. Minha fé na vida está diretamente ligada ao meu trabalho.

Intolerância e o mundo atual

Em Novas Diretrizes em Tempos de Paz, você viveu um imigrante. A intolerância cresceu? O mundo ficou pequeno para o homem?

— O mundo ficou intolerante às diferenças. A grande dificuldade está em enxergar o outro. Há movimentos de revisão histórica para valorizar as minorias, mas também há resistência. Basta olhar para os EUA, por exemplo.

Parceria com Tony Ramos

Você trabalhou com Tony Ramos no teatro e no cinema. O que destaca dessa troca?

— A generosidade dele. O Tony tem um interesse genuíno pelas pessoas, algo raro em uma celebridade. Ele sabe separar o artista da figura pública, com muita sabedoria. Ele é exatamente como se mostra, tanto na vida pessoal quanto na profissional.

Tem alguma lembrança curiosa desse convívio?

— Sim. Antes de trabalhar com ele, fiz a peça com dois outros atores. Um queria o camarim na penumbra para se concentrar, e o outro acendia todas as luzes. Quando Tony chegou, ele simplesmente perguntou como eu preferia: “Com mais ou menos luz?”. Isso diz muito sobre quem ele é.

A força da TV

A raquete, objeto usado na novela Mulheres Apaixonadas, virou símbolo do seu personagem. Isso te incomoda?

— A TV tem um lado que pode levar à histeria, mas também traz reconhecimento depois de anos de luta na profissão. Sempre busco entender qual a função social do trabalho. Ali, a violência doméstica foi trazida para o centro do debate, e conseguimos mudar uma lei. Uma novela mudou a vida das pessoas. Avançamos, mas ainda há muito por fazer. O Brasil segue entre os países que mais matam mulheres.

O autor Manoel Carlos percebeu seu empenho e te ajudou a crescer na trama?

— Sim. O Maneco tem esse olhar atento. À medida que a novela avançava, ele escrevia cenas baseadas em gestos ou falas que eu trazia. Ele percebe e valoriza o trabalho do ator.

Vontade de encenar clássicos brasileiros

Você tem um carinho pelos clássicos. Qual autor brasileiro gostaria de levar aos palcos?

— Gostaria muito de fazer Vereda da Salvação, do Jorge Andrade, que está esquecido. Nelson Rodrigues é outro autor que nunca fiz, nem na TV. Quando gravaram a série A Vida Como Ela É, eu não estava no elenco. Também penso em autores como Vianinha (Oduvaldo Vianna Filho) e Maria Adelaide Amaral, com quem sugeri fazermos Queridos Amigos. Fico atento também ao que está sendo encenado lá fora.

Ao viver Shylock, Dan Stulbach reafirma sua convicção de que o teatro, assim como a arte em geral, é capaz de provocar reflexão, desconstruir preconceitos e semear mudanças. “O Mercador de Veneza” é mais do que um clássico: é um espelho do nosso tempo.

Fonte: Metrópoles

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