'Levava alegria onde chegava' -

Ator encontrado carbonizado levava a arte drag queen para a periferia

“Não dá para falar dele com tristeza, mas com alegria. Ele levava alegria onde chegava”. Essa é a lembrança que Marcelo Gil guarda do amigo Yago Henrique França, de 29 anos, cujo corpo foi encontrado carbonizado no início do mês em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. As informações são do R7.

Yago era ator, drag queen e tarólogo. Ele desapareceu na noite do dia 27 de fevereiro, depois de sair para um encontro marcado por aplicativo de relacionamento. Seu corpo foi encontrado parcialmente carbonizado no dia 1º de março e reconhecido pela mãe, no último dia 7, por causa de tatuagens alusivas ao universo Harry Potter.

“O que mais vou sentir falta do Yago é, justamente, essa alegria de incluir todos e todas em seus shows de diversidade, do companheirismo dele, de estar à disposição para fazer bem para a cultura LGBTQIA+. Ele tinha muito isso, estava enraizado”, acrescentou Marcelo, que é fundador da ONG Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual.

Lunna Black, de 30 anos, conheceu Yago em um curso de preparação para drag queens, em 2016, na cidade de São Paulo. Ela morava na zona sul e ele, com os pais em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

A amizade evoluiu junto com o curso e ambos criaram um coletivo para levar a arte drag para a periferia de São Paulo, após concluírem a capacitação.

Até 2019, a dupla atuou em centros culturais, Centros Educacionais Unificados (CEUs) e em eventos, principalmente na zona leste paulistana.

No início, as apresentações eram gratuitas. Conforme foi ganhando experiência, a dupla passou a ser contratada para se apresentar.

Lunna e Yago atuaram durante um tempo com uma terceira pessoa, mas o corpo do projeto acabou se consolidando entre os dois amigos. O coletivo deles trocou de nome duas vezes até que foi batizado como Sete Saias, uma homenagem à guia espiritual de ambos, da Umbanda.

Quando “montado” (vestido como drag queen), Yago virava Amélia Lovett e junto com Lunna Black apresentava o espetáculo “Tudo é Drag”.

Foto: Reprodução

O primeiro nome da personagem de Yago era uma homenagem à Amélie Poulain, protagonista de um dos filmes favoritos do ator.

“A Amélia era uma drag humorística, já a minha, digamos, mais séria. Mas a Amélia abordava muitos assuntos importantes e sérios, deixando-os leves por causa da alegria dela”, relembra Lunna Black.

No “Tudo é Drag”, a dupla falava de religião, questões de violência de gênero, homofobia, racismo e amor.

“A gente mostrava como é difícil para um homossexual, ainda drag, ter um relacionamento. Já é complicado ser gay, imagina para um gay que se monta”, destacou Lunna.

Fora dos palcos, Yago ensinava anônimos sobre a arte drag. “Ele respirava muito a diversidade, trabalhava muito isso”, afirmou o amigo Marcelo Gil.

Pandemia

Com a chegada da pandemia da Covid-19, as apresentações de Lunna e Yago foram canceladas e ambos passaram a investir em projetos pessoais, durante o isolamento social.

Foi aí que Yago aprendeu a jogar tarô e começou a atender clientes, primeiramente online. Ele, inclusive, criou um perfil na internet, o Divino Grimório, onde divulgava seu trabalho esotérico. Nesse meio tempo, Lunna ganhou um concurso de miss drag no qual contou com a presença de Yago em sua coroação, como padrinho.

Mesmo distantes, os amigos continuaram a conversar e reformularam o espetáculo “Tudo é Drag”, rebatizando-o como “Viva Las Queens.”

Eles já haviam agendado apresentações em Fábricas de Cultura, CEUs e centros culturais em seis bairros da zona sul de São Paulo. Os shows começariam agora em março.

“O projeto Sete Saias é um corpo de duas pessoas. Sem o Yago, o projeto que a gente construiu, em si, não tem como continuar. Não existe uma substituição, pois é nossa história, nosso sonho. Não sei o que faço, perdi parte do meu corpo”, desabafou Lunna, sobre o fim do projeto, por causa da morte brutal do amigo.

Yago também participou de um concurso de drag queens no ano passado. Sua apresentação foi gravada em vídeo (veja abaixo).

Cuidados

Lunna disse ainda que ela e Yago costumavam sempre avisar quando saíam para um encontro amoroso.

“Por sermos gays, saíamos e avisávamos quando íamos encontrar alguém, perguntávamos se o outro estava seguro. Se um de nós se sentisse inseguro, mandava localização. Mas dessa vez, infelizmente, não foi dessa forma. Não sei o motivo”, lamentou, referindo-se ao dia do desaparecimento de Yago.

Lunna foi a última pessoa com quem o ator trocou mensagens no dia em que sumiu. Ele afirmou que iria para um encontro amoroso, no caminho de volta para casa, para onde nunca mais retornou.

O corpo de Yago foi sepultado na tarde da última quinta-feira (09/03), na zona sul da capital paulista.

A Polícia Civil ainda não identificou suspeitos pelo crime, nem divulgou possíveis motivações e as circunstâncias em que o ator foi morto e teve o corpo carbonizado.

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