Parte IV -

Especial | Tudo que você precisa saber sobre o Superman (Segunda Era de Bronze)

 

 

Antes de começar, precisa ir primeiro para aParte I, Parte IIe finalmente Parte III.

A Segunda Era de Bronze: John Byrne e a Crise nas Infinitas Terras

Para a DC Comics, a maxi-série Crisis on Infinite Earths (1986), escrita por Marv Wolfman, serviu a vários propósitos. Entre a venda de revistas e a aquisição de novos leitores pelo apelo ao drama, que são questões de mercado, encontra-se também o motivo da reestruturação do universo narracional da DC, numa tentativa de se traçar um caminho a ser seguido pela editora. Além disso, a narrativa de Marv Wolfman é um dos maiores épicos das narrativas gráficas de super-herói. Wolfman congrega todos os heróis da editora DC em uma batalha para a salvação dos universos dessas personagens de forma digna das narrativas gregas.

Poster de Crise nas Infinitas Terras desenhada por Alex Ross.
Poster de Crise nas Infinitas Terras desenhada por Alex Ross. 

 

Os personagens desse autor sentem o temor frente a uma batalha muito acima de seu poder, entre elas o Superman da Terra-2 (Em 1969 a DC dividiu o universo do Superman em dois: Terra 1 para o Superman e Superboy da Era de Prata e Terra 2 para o Superman da Era de Ouro), o velho Homem de Aço da Era de Ouro. O herói Harbinger é corrompido pelo Anti-Monitor, assim como o vilão Psycho Pirate (Pirata Psíquico), que troca a sua humanidade pelo governo de um mundo.

Na crise, Flash se sacrifica numa batalha pessoal contra o Anti-Monitor, e, entre as baixas da guerra, a morte da Supergirl é a mais profunda. A Kryptoniana se sacrifica para salvar a vida do Superman e é assassinada pelo vilão em uma luta heroica. Apesar de sua vitória, o Anti-Monitor fica enfraquecido pela luta contra Supergirl e, obrigado a fugir, escapa da ira do kryptoniano, rebaixado em sua fúria, que grita: "Eu... eu quero matá-lo!".

Dessa forma, há uma vitória literária, uma ascensão do herói literariamente, pelo declínio moral, e pelo sofrimento na narrativa. A imagem de Superman, com o corpo da heroína nos braços e com a cabeça para cima, lançando aos céus um grito mudo de dor é exemplarmente realizada, provocando o sentimento de perda no próprio leitor.

É pela crise que a DC elimina seus personagens indesejáveis (leia-se, não rentáveis) e dá destaque aos novos, alguns adquiridos da Charlton Comics.  Mas a morte em Crisis on Infinite Earths não é, de modo algum, banal. Ela é um motivo narrativo muito forte e profundamente trabalhado na série.

Personagens como o Blue Beetle (Besouro Azul) e Ciborg (Ciborgue) são introduzidos nessa série. Ela foi tão influente no universo da DC que a editora passou a produzir, desde então, várias minisséries e máxisséries usando o preceito de crises, nas quais as personagens, geralmente as secundárias, têm uma tendência a ganhar destaque dentro da narrativa principal.

O reboot que John Byrne realiza na mini série The Man of Steelde 1986 (O Homem de Aço publicado no Brasil pela editora Mythos em 2006) está inserido no reboot geral do universo DC, o qual tem início com a publicação de Crisis on Infinite Earths. Byrne elimina os aspectos ambíguos de quase 40 anos de narrativas e começa uma história nova, reunindo as características do Superman em um conceito sólido.

Episode #82: Comics in 1986 | “The Man of Steel” Miniseries (1986)
Episode #82: Comics in 1986 | “The Man of Steel” Miniseries (1986) 

 

Ele recria o passado do herói, reforçando os personagens secundárias do seu núcleo social e familiar, pois ao fortalecer a família Kent, como ativa no presente do Superman, ele fortalece o background da personagem e proporciona a esse ser divinal a capacidade de se relacionar com os humanos a sua volta.  Clark Kent passa a ser fundamental na narrativa, pois há, então, uma mudança nos motivos da trama que levam a uma nova concepção do Superman, não como um completo alienígena, mas como um ser híbrido.

Na narrativa de John Byrne, Kal-El é enviado para a Terra como uma matriz genética ainda não concebida e, ao chegar ao planeta, ele assimila em seu DNA aspectos da genealogia humana, tornando-o híbrido em sua estrutura física.

Esse hibridismo é reforçado por uma educação cultural humana imposta pelo casal Kent, enquanto a identidade kryptoniana é completamente renegada na narrativa. Quando a projeção de Jor-El trava contato com Superman, ela é agressivamente destruída por Jonathan Kent, o que é, visualmente, um apagamento das raízes culturais alienígenas e uma imposição da identidade de Clark Kent sobre a identidade do Superman, agora, uma máscara desmascarada.

Byrne também altera a relação do Superman com a personagem Batman.

From Man of Steel #3 (1986)
From Man of Steel #3 (1986) 

Provavelmente influenciado pela novela gráfica The Dark Knight Returns de Frank Miller que evidencia a diferença ideológica dos dois personagens, dispondo Superman como um mantenedor do status quo e Batmancomo um vigilante anarquista.  Byrne e Miller, portanto, separam Batman e Superman como polos opostos no universo heroico, o paladino do dia e o vigilante noturno, estando um ao lado da lei e o outro à margem dela. Mas há uma diferença gritante entre o modo como Superman é visto por Frank Miller e o modo como ele é recriado por John Byrne.

Frank Cho Recreates The Batman/Superman Fight Scene From The Dark Knight Returns
Frank Cho Recreates The Batman/Superman Fight Scene From The Dark Knight Returns 

 

Em Dark Knight Returns, Superman é uma figura divinal, um ser acima dos mortais que é submetido a trabalhar para o governo. Um deus que vê os humanos como patéticos e pequenos, seres invejosos do poder divino que ele tem, mas que, no entanto, vê-se obrigado a trabalhar para o governo dos humanos pelo medo de que eles utilizem de bombas atômicas, e dessa forma, de que o homem destrua os heróis por inveja e a si mesmos por ignorância.

Já Byrne cria um Superman híbrido, humanizado, que simpatiza e se relaciona com os seres humanos com uma proximidade maior, um semideus que se reconhece em meio à humanidade. Há na narrativa de Byrne um esforço em fazer o Superman decididamente um cidadão Americano, como um imigrante que descende de um país distante, porém é nascido e criado em solo americano, e, portanto, perpetuador da cultura e da ideologia do país.

Byrne também reformula o principal antagonista de Superman, Lex Luthor, transformando-o em um perigoso bilionário inescrupuloso, ao invés de um cientista maligno. Mas a malevolência é uma característica mais enfatizada na narrativa O Homem de Aço, que apresenta a personagem Luthor como indiferente perante a vida em risco de pessoas inocentes. Essa reformulação da personagem culmina na história de James D. Hudnall 'Lex Luthor: biografia não autorizada', publicada em 1989.

Superman: O Paladino Moderno

 

O termo paladino é recriado nas histórias em quadrinhos do Superman após a década de 40. O conceito já existia como parte da concepção do personagem, entretanto, a liberdade criativa dos autores, Siegel e Shuster, o retiravam de uma cápsula por demasiado estreita. Porém, após a aplicação do CCA, o conceito de Paladino vinculou-se não somente ao Superman, inquestionavelmente puro, mas a todo e qualquer super-herói que fosse publicado. Tornando-se um paradigma narrativo: super-herói = paladino. Mudando completamente conceitos dentro de uma narrativa em quadrinhos. É coisa de louco, mas isso realmente foi graças ao Superman. Chupa, Haters!

Esses conceitos podem ser resumidos em cinco momentos históricos dos quadrinhos americanos: 

1- A chamada “Revolução Marvel” que ocorre na Era de Prata, na qual a editora introduz uma nova gama de personagens, cuja caracterização ocorre com uma maior humanização das personagens.

 

2 - A publicação de revistas com protagonistas representantes de outra etnia que não a caucasiana.  Como as revistas Luke Cage, Hero For Hire (Luke Cage, Herói de Aluguel) em 1972; Black Lightning (Raio Negro), em 1977; além do precursor dos heróis negros: Black Panther (Pantera Negra), em 1966.

 

3 - A subversão do CCA na revista Amazing Spider-Man (Espetacular Homem Aranha) #96 de 1971, o que provocou uma revisão das normas de censura que limitavam os quadrinhos americanos.

4 - A invasão dos artistas britânicos em meados dos anos 70-80. Entre eles:Neil Gaiman, Alan Moore, Grant Morrison, Mark Millar, Garth Ennis, Warren Ellis, entre outros. Estes artistas retiraram os super-heróis doinvólucro extratextual e os moldaram de acordo com a sua perspectiva diegética, arredondando as personagens e desenvolvendo uma narrativa mais complexa, para os leigos, isso quer dizer que a narrativa nos quadrinhos ganham conceitos cinematográficos.

5 - A produção das narrativas gráficas Watchmen (1986), pelo inglês Alan Moore, e The Dark Knight Returns (1986), pelo californiano Frank Miller. Ambas as narrativas publicadas pela editora DC Comics propõem uma nova visão sobre o arquétipo de herói, deslocando-o para uma posição marginal. 

Esses momentos, nos quais as narrativas que deslocam o conceito de herói paladino são produzidas, são resultado de alterações nas estruturas sociais americanas, como as revoluções da década de sessenta, talvez a mais movimentada da história americana. Uma época que congregou a luta pelos direitos negros, femininos, além do movimento hippie e das passeatas contra a guerra do Vietnam.  

Ainda sobre essas 'mudanças' vale ressalta a editora Image e a produção da revista Invincible (2002) e com a renovação da linha da editora pelas mãos do roteirista Robert Kirkman, que cria uma nova gama de narrativas gráficas. A estreia de Kirkman nas narrativas gráficas se deu com a produção de Battle Pope (2000), em parceria com o desenhista Tony Moore.

Created by Robert Kirkman and artist Cory Walker, Invincible first appeared in Tech Jacket #1 (November 2002)
Created by Robert Kirkman and artist Cory Walker, Invincible first appeared in Tech Jacket #1 (November 2002) 

 

Impresso em prensa própria e auxiliado pela editora Funk O Tron, o comic book, uma paródia do próprio gênero de super-herói, narra a história de um Papa que, mais do que humanizado, é tornado um canalha dotado de todos os hábitos considerados negativos pela doutrina cristã: um homem que fuma, que bebe, que é promíscuo, que projeta injúrias de baixo calão e que é sádico com seus inimigos. Ou seja, um Papa que inverte a ideia do papado. É este o exemplo de cristão que recebe poderes diretamente de Deus para combater as forças demoníacas na Terra.

Battle Pope, Kirkman e o desenhista Cory Walker
Battle Pope, Kirkman e o desenhista Cory Walker 

 

Após Battle Pope, Kirkman e o desenhista Cory Walker, foram contratados pela editora Imagepara realizar uma minissérie do herói Super Patriot (Superpatriota) (1992). Além disso, o autor, juntamente com E.J..Su, produziu Tech Jacket(2003) pela mesma editora, em uma série que durou apenas seis edições. No entanto, o comic book Invincible, que surgiu “em partes” na série, tornou-se um sucesso de público, fixando-se como série contínua. O maior público que Kirkman conquistou, entretanto, deve-se a The Walking Dead(Os Mortos Vivos) (2003), que narra a história de um grupo de sobreviventes num universo “zumbi-apocalíptico”, ou seja, umcomic book que não está vinculado ao gênero de super-herói, e sim ao de horror. Kirkman ainda realizou uma série de produções para a editora Marvel: em 2004, roteirizou algumas edições da revista Captain America, escreveu Marvel Knights 2099, e criou seis edições de Jubilee. No ano de 2005, roteirizou edições de Marvel Team-Up, Fantastic Four e Ultimate X-Men, mas seu maior sucesso na editora foi a produção de Marvel Zombies #1 (2005-2006). Além dessas edições, o roteirista criou doze edições deIrredeemable Ant-Man, uma nova versão do Homem-Formiga para a editora.

Muitas mudanças estão ocorrendo tanto dentro das histórias de super-heróis quanto na realidade da indústria de comic books. O mercado americano apresenta novas facetas a serem exploradas e a criação autoral da Image é uma forte vertente da indústria. E é Robert Kirkman que, com a produção mensal de Invincible, começa a tecer um universo comum entre as narrativas de super-heróis da Image, assim como ocorre com os universos narrativos gerais da Marvel e da DC. Ao produzir, em 2002, a revista Tech Jacket e, em 2003, Brit, assim como, em 2007, com Jason Howard, The Astounding Wolf Man, Kirkman estabelece diversos nichos narrativos dentro de um único universo central. Além disso, dá vazão a uma série de novas produções pela Image que, por sua vez, criam uma mudança no cenário do mercado editorial com revistas autorais que obtêm sucesso de vendas, revitalizando a empresa Image e, por consequência, revitalizando o ideal da indústria autoral de comics.

O Kirkman merece de fato um especial. O cara é um visionário e um nome muito respeitado lá fora, aqui no Brasil, como todos sabemos, ele só é lembrado como criador de uma série de zumbis. Somente Invincible valeria horas de pesquisas, mas como estamos falando do Superman...rs

Ao longo dos anos de existência ficcional, Superman foi seguido por várias releituras, algumas paródias, outros simples plágios. O primeiro a reproduzir o original e o paladinesco em um arquétipo derivado do Super-Homem pode ser considerado o Captain Marvel(1939), lançado pela editora Fawcett, cujos poderes eram de origem mística, presentes dos deuses gregos, em contraposição ao pano de fundo pseudocientífico da personagem da DC. 

Temos o Hyperion(1969), de Roy Thomas e John Buscema, é o primeiro grande original da Marvel Comics e também uma reprodução do Superman, desta vez, na íntegra, reproduzindo exatamente os mesmos poderes do Homem de Aço. Essa paródia é renarrada por J.Michael Strazynski e Gary Frankem uma versão madura e crítica do Hyperion original e, por sua vez, do Superman original, na obra Supreme Power (2003). 

Hyperion
Hyperion 

 

Outras recriações que merecem destaque maior são: Supremo(1992) de Rob Liefield e Brian Murray; Mr. Majestic (1994), de Jim Lee e H.K. Proger; Samaritan (Samaritano) (1995), de Kurt Busiek, Alex Ross e Brent Anderson; Apollo (Apolo) (1998), de Warren Ellis e Brian Hitch; Sentry (2000), de Paul Jenkins e Jae Lee. Destes, Apollo apresenta a maior tendência à paródia e pode, até mesmo, ser estudado como um deslocamento do paradigma sexual (Ele é Gay) nas narrativas de super-heróis do mainstream.

Eu fico por aqui, mas amanhã tem mais, sempre terá, ainda estamos no meio da pesquisa, meus queridos. Pensou que estava brincando? rs

 

Fonte: Pikachu Sama

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