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Crítica | Parasite é um dos melhores filmes da história

 

    Arte: Leonardo Santamaria

 

O escritor e diretor sul-coreano Bong Joon-ho não faz o que você chamaria de “filmes de gênero”, mesmo que seus filmes anteriores incluíssem modos aparentemente familiares de expressão cinematográfica, como o policial da cidade pequena (Memories of Murder – Salinui chueok, 2003), um filme de monstros no estilo kaiju (The Host, O Hospedeiro, 2006), uma aventura de ficção científica distópica (Snowpiercer, Expresso do Amanhã, 2013) e uma fábula sobre direitos dos animais (Okja, 2018). Seria também bem incorreto dizer que os filmes de Bong parodiam a noção de gênero, ou a desconstroem, ou prestam homenagem ao estilo pastiche (obra literária ou artística em que se imita abertamente o estilo de outros escritores, pintores, músicos etc.). Em vez disso, o que diferencia Bong de todos os outros diretores que consigo imaginar é a capacidade desconcertante de seus filmes se transformarem suavemente, em um filme e, às vezes, em uma cena, de um estilo cinematográfico reconhecível para outro, perdendo gêneros à medida que perdem sua utilidade como narrativa. O conceito mais apropriado para falar desse diretor tão incrível seria como uma cobra deslizando para fora de sua pele.


 

A analogia do mundo animal e natural não é acidental. O estilo sempre variável de Bong pode ter uma qualidade orgânica, como se seus filmes fossem mais cultivados do que feitos, mesmo que suas tramas sejam frequentemente intricadamente estruturadas. Dentro de uma entrevista que pesquisei para escrever esta resenha, eu descobri que ele começa tudo no storyboard, fazendo cada cena obsessivamente, mas que, uma vez que o cenário sai do papel e é construído, ele oferece aos atores amplo espaço para improvisar e experimentar coisas novas durante as filmagens. Essa mistura de métodos poderia explicar o senso simultâneo de ordem e vitalidade de seus filmes. Como Alfred Hitchcock, ele é um mestre em manipular o sistema de resposta fisiológica do público, capaz de aproveitar nossas reservas naturais de piedade, medo, ansiedade e empatia enquanto aumenta e diminui nossa frequência cardíaca à vontade. Mas seus personagens nunca são meros símbolos ou peças em um tabuleiro de jogo.


 

Parasite, talvez o melhor filme que Bong já tenha feito, começa como um drama social realista sobre uma família pobre que luta para encontrar trabalho na moderna Seul. Ao final de suas duas horas e 11 minutos, ele terá percorrido humor negro, sátira social, suspense e uma pitada de humor que é bem comum dentro de suas obras. Durante todo o tempo, a compreensão e o apego do público aos personagens centrais se aprofunda tanto que seus destinos finais nos atinge com a força da tragédia. Parasite também funciona como um recorte selvagem sobre a desigualdade econômica e a violência infligida pelo capitalismo, mas aborda esses temas com uma inteligência tão astuta que algumas pessoas inteligentes estão deixando passar.


 

O apertado apartamento no subsolo, onde encontramos os Kims (São tipo Silva no Brasil), nos diz tudo o que precisamos saber sobre suas circunstâncias. Esta família de quatro pessoas vive uma em cima da outra, em meio a pobreza e milhares e milhares de vasilhas de comida, insetos e roupas penduradas para secar. O banheiro é apenas uma privada alta e aberta. A única maneira de obter um sinal de Wi-Fi é ficar erguendo o celular pela casa tentando roubar sinal dos vizinhos. Para ganhar dinheiro, os Kims dobram caixas de entrega para uma cadeia de pizzas da região que moram, mas mesmo esse trabalho está sempre à beira de ser cancelado. Se eles erram ou trabalham devagar para entregar as caixas, sempre há alguém que pode dobrar as caixas melhor e mais rapidamente.


 

Um dia, o filho da família Kim, Ki-woo (Choi Woo-shik), um esperto aluno formado do ensino médio que não teve dinheiro para bancar sua faculdade, é indicado por um amigo para trabalhar como tutor de inglês para a filha de uma família rica, os Parks (são tipo Bragança no Brasil). Em sua primeira visita à casa dos Parks – um complexo elegante e projetado por um arquiteto famoso – Ki-woo vê uma abertura para a vida de sua família mudar, e os Kims começam a traçar um plano para se infiltrar na casa. (Os outros Kims são interpretados, todos de forma excelente, por Park So-dam, Jang Hye-jin e pelo lendário ator sul-coreano Song Kang-ho.) Em pouco tempo, toda a família Kim está vivendo e trabalhando para os Parks na relação simbiótica sugerida pelo título do filme – mas quem é parasita de quem exatamente?


 

A primeira hora de Parasite tem a energia de uma comédia, enquanto os Kims trabalham juntos para projetar sua aquisição da casa e da fortuna da família rica. Depois de uma cena selvagem (bebem e comem toda a comida da casa) onde os Kims fazem uma festa na mansão – enquanto os Parks estão fora em um acampamento – uma reviravolta chocante coloca ambas as famílias sob uma luz diferente. E força os Kims a enfrentar um conjunto inteiramente novo de problemas práticos e éticos.


 

A segunda metade do filme começa juntar todas as peças e colar toda a trama, começando com um desastre natural espetacularmente organizado que deixa o beco que os Kims chamam de lar atolado na lama, merda e sujeira até o pescoço. Logo depois, os segredos que ambas as famílias têm escondido, além de outros segredos anteriormente desconhecidos para ambas, ameaçam vir à tona em um cataclismo de violência há muito adiada e emocionalmente orquestrada. Eu estou escrevendo as coisas em superlativos porque os plots de Parasite é de cair o C* do chão de tão espetacular, meus amigos!


 

Bem, eu não vou escrever mais sobre isso, é melhor assistir você mesmo. E se já assistiu, veja novamente. Bong Joon-ho aqui é o maestro que lhe mostra o aquilo que você quer saber do jeito que ele quer que você saiba. Parasite não é o tipo de alegoria de classe que configura um grupo de caracteres como um filme fácil de se assistir. Por mais inconscientes e exploradores que possam ser os Parks, também são uma família real, com desejos e disfunções próprias. Bong é especialmente perspicaz em dissecar a dinâmica patriarcal na família rica, onde a existência da mãe protetora e a dependência financeira de seu marido, magnata da tecnologia, fazem dela um alvo fácil para golpistas como os Kims. A crítica do capitalismo que surge ao longo da história de Parasite é ampla, profunda e, ao final do filme, dolorosamente não resolvida. Não há satisfação nos plots da família Kim, apenas a exposição de um sistema que coloca famílias e indivíduos uns contra os outros em uma impiedosa competição por recursos cada vez menores.


 

Parasite trabalha em um nível como uma alegoria ecológica. A casa e o jardim elegantes e caros dos Parks são um tipo de Éden da Ambição Humana, mas cujo luxo tem um imenso custo oculto. No final de Parasite, o público está desconfortavelmente ciente de nossa cumplicidade com um sistema econômico que permite que essas divisões de classe profundas governem nossas vidas e estruturam nossas interações cotidianas. E nossos corações partem para os Kims e os Parks num final vibrante e assustador.


 

Simplesmente um dos filmes mais importantes dos últimos dez anos do cinema e ele nem é Americano! Parabéns ao cinema sul-coreano que já vem há décadas se destacando, eu como apreciador de novelas deste país acompanho muita produção de lá, por isso, não foi surpresa alguma Parasite ser tão impecável e poderoso.

 

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