Confira a entrevista -

Como diretor, Murilo Benício lança seu filme 'O Beijo no Asfalto' em Teresina

    Foto: Aureliano Muller 

Murilo Benício esteve em Teresina nesta quinta-feira (22/11), não como ator, mas como diretor lançando seu filme 'O Beijo no Asfalto', na 12ª Sessão com Debate, organizada pelo Cinemas Teresina. O filme é uma adaptação da peça escrita pelo polêmico autor Nelson Rodrigues anos 60.

O filme foi todo rodado em preto e branco para ser diferente, experimental.
O filme foi todo rodado em preto e branco para ser diferente, experimental.    (Imagem/Divulgação)

Na trama, Lázaro Ramos vive Arandir, um homem que, sem pensar, atende ao pedido de um beijo na boca feito por outro homem prestes a morrer ao ser atropelado na avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro. Tal gesto banal vira uma matéria sensacionalista de Amado (Otávio Müller), um repórter que cria uma fake news e passa a explorar o beijo entre dois homens para vender mais jornal. A versão criada pelo jornalista incita a polícia a investigar uma suposta ligação entre Arandir e o morto e cria dúvidas na cabeça de Selminha (Débora Falabella), mulher de Arandir e filha de Aprígio (Stênio Garcia), que, misteriosamente, insiste na ideia de que presenciou o beijo, quando, na verdade, estava de costas. 

(Imagem/Reprodução)
Foto: Aureliano Muller

Confira a coletiva do diretor e ator:

Sempre é difícil escolher um tema para dirigir um filme. Teve algum motivo específico para dirigir um texto de Nelson Rodrigues?

Murilo: Era um projeto muito antigo que eu tinha. Comecei a estudar teatro com onze anos de idade, lembro que meu pai falava muito de Nelson Rodrigues. Então, era um nome que ficava ecoando para mim. O projeto surgiu no final da década de 90, não me lembro exatamente porque escolhi dirigir esse filme. Só lembro que comprei os direitos e tinha mais ou menos dois anos para fazer algo com ela, em um ano levantei metade do orçamento; entrei numa novela, não pude fazer o filme e perdi os direitos. Enquanto eu estava filmando o Força Tarefa (2009 – 2011) da Rede Globo, ele foi fotografado pelo Lula Carvalho, ele que me lembrou desse projeto, na época, falei que vender Nelson Rodrigues é muito complicado, as pessoas não tem muito interesse em suas obras e eu havia largado o projeto por causa disso, mas ele me convenceu a fazer o filme.

Comprei novamente os direitos e encontrei com o filho do Nelson Rodrigues (Nelsinho Rodrigues), a pessoa que cuida e trata os direitos das obras de seu pai, mas não consegui dinheiro nenhum para fazer o filme. Tudo saiu do meu bolso, o filme não teve incentivo de ninguém. A Débora (esposa e atriz Débora Falabella) me incentivou muito em não desistir novamente do filme.

É inevitável falar de política neste momento que estamos passando, os textos do Nelson são bastante políticos. A arte precisa sempre ter uma mensagem política em sua obra?

Murilo: Não. A arte não precisa ter essa obrigação de abordar ou falar da questão política. Depende do trabalho, depende do projeto, inclusive, O Beijo no Asfalto fala mais da nossa sociedade, do ser humano e infelizmente tivemos a sorte de cair em um momento político onde O Beijo no Asfalto ficou muito mais forte. O filme tem a Fernandona (Fernanda Montenegro). Para quem não sabe, O Beijo no Asfalto é uma encomenda dela ao Nelson Rodrigues para o grupo de teatro que ela comandava. Era muito importante ela está no projeto. O filme mistura cinema, teatro, é um pouco documental. A minha ideia era ter o processo do ator, desde momento que ele pega o texto, em que ele se reúne com um grupo para trabalhar e estudar um texto e quais são as possibilidades a partir daí no Teatro, quanto no cinema.

A Fernanda em alguns momentos, falava da época que a cia dela precisou parar porque tinha tanque de guerra na rua no período militar. O filme ficou mais forte e ficamos com muito medo dessa possibilidade voltarmos a viver essas situações, censura e o resto.

    Foto: Aureliano Muller

Como foi experiência de dirigir?

MuriloEu gostei muito da minha experiência de diretor, já estou montando meu segundo filme. Eu acho que eu pude ter um encontro novo com os atores, me ajudou muito e acredito que tenha ajudado eles também. A gente tem uma dificuldade muito grande em diretores que entendem o ator. Sempre que alguém tinha alguma dúvida com relação ao texto, ao personagem, eu sempre me reconhecia naquele momento. E de alguma forma eu conseguia ajudar os atores. E é isso que me faz ter mais interesse na direção. Não é sobre planos, enquadramento, mas minha ligação direta com os atores.

Consegui boas atuações nesse filme, claro que é mérito dos todos eles.

Conte um pouco sobre a linguagem do filme. Ele pareceu uma aula de cinema, além disso, o que foi mais difícil para você: dirigir, produzir e distribuir?

MuriloAlgumas coisas eu deixei mais na mão do Marcelo Maia que é o produtor. E também, é uma área que ainda estou me adaptando, enquanto ele faz isso há mais de trinta anos. Sobre o processo, eu tinha uma câmera e um assistente (Pablo) que ficava com a segunda câmera, porque eu estava fazendo peça, filme e aquilo tudo que estávamos gravando poderia ser um documentário. Eu pedi para o Pablo filmar tudo que achava interessante e fui selecionando as cenas que proporcionava ao telespectador a sensação de bastidores, bem próximo do processo.

Eu não queria só ter o ator sendo filmado naquele momento, mas a câmera filmando esse ator.

Como você vê essa responsabilidade de dirigir uma narrativa tão rica e de certa forma delicada, como foi passar a mensagem e montar esse quebra-cabeça?

Murilo:O segredo desse filme era como seria feito a montagem. Gravamos muito material. Tem uma cena linda que pegamos os atores aquecendo antes da cena, coisa que eu nunca vi na vida num filme. Você selecionar esse material demora bastante tempo, só da câmera do Pablo tinha mais de oito horas de gravação para eu selecionar.

É difícil, exige muita disciplina e em relação aos atores, tivemos um acordo em achar que não estávamos fazendo Nelson Rodrigues. É uma coisa muito próxima da gente. No processo com os atores, conversamos bastante sobre isso, de não fazer essencialmente uma obra do autor, mesmo usando o texto original, a gente deu uma nova postura nesse filme.

Você tem interesse em rodar o filme em escolas?

Murilo: Quem conhece hoje a obra do Nelson são pessoas que estão ligadas de alguma forma diretamente a cultura. Se você perguntar qualquer estudante que não tenha esse interesse, eu posso dizer que ele não sabe quem é Nelson Rodrigues. É muito triste a gente não investir na nossa história. Tem muita gente brilhante sendo esquecida.

A ideia de levar o Nelson a escolar era fazê-lo ir atrás dessa geração que não conhece sua obra.

Como foi dirigir tantos nomes importantes do cinema e TV nacional?

Murilo: O grande mérito de ter todos eles juntos, foi porque o filme não teve apoio e incentivo de ninguém, eles estavam ali porque acreditavam no projeto. Eles não ganharam quase nada para fazer. Um filme feito pela obra.

Foto: Aureliano Muler
Foto: Aureliano Muller 
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