Coordenador do GAECO no Piauí -

Rômulo Cordão: “as pressões vêm por causa da envergadura das pessoas investigadas”

Por Rômulo Rocha - De Brasília

 

O promotor Rômulo Cordão, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO), recebeu o 180 no último dia 25 de agosto, na sede do órgão do Ministério Público, em Teresina, localizado na zona leste, em um casarão à parte, silencioso e reservado, para um pequeno bate papo sobre operações em andamento e corrupção - um dos focos das publicações doBlog Bastidores, pertencente ao 180

Cordão regressou recentemente de um curso de combate ao crime organizado na Itália, realizado na Universidade de Roma Tor Vergatta.

Especialista em Segurança Pública, possui cursos no Exército e Ministério Público do Rio de Janeiro em técnicas especiais de investigação.

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_Coordenador do Gaeco, promotor Rômulo Cordão (Foto: Portal 180)...

SEGUE A ENTREVISTA:

180: Promotor, sobre como as investigações no GAECO começam e seguem...

Rômulo Cordão: A gente não abre nenhuma investigação pontual contra um município A ou B. A gente tem a notícia de um fato, que muitas vezes é uma autoridade que traz, ou às vezes a própria população, professores, enfim. E a gente passa a investigar esse fato. Via de regra, nos casos de corrupção, há o envolvimento de pessoas privadas também. Ou seja, empresas e tal. Não só agentes públicos. O agente público entra nesses esquemas de corrupção, mas do outro lado, quase sempre, tem a iniciativa privada, que recebe do poder público para executar uma obra, executar um serviço, para vender algo. Então há essa mistura do público com o privado. Partindo do pressuposto de que esse privado não atua só com um órgão público ou só com um município, então isso faz com que a investigação, apesar de ser um só procedimento investigatório, amplie seu raio de atuação sobre aquele núcleo empresarial.

180: Por isso que muitas vezes essas investigações demoram e são mais complexas.

Rômulo Cordão: Com certeza. A Operação Escamoteamento (esquema de fraudes de licitações, organização criminosa e lavagem de dinheiro envolvendo prefeituras),  veio de uma denúncia de uma vereadora. E a gente começou a analisar as empresas. Essas empresas atuavam em vários municípios, em Ubajara, em Viçosa, em Tianguá, no Ceará; no Piauí, em Cocal, Cocal dos Alves, Buriti dos Lopes, Bom Princípio; no Maranhão, em Codó, Itapecurimim, em várias. Então a gente começou a investigação em determinadas empresas, mas houve o link com vários municípios e com vários gestores, por isso foi uma investigação muito ampla.

180: E o Gaeco, claro, integrado nesses estados, atuando?

Rômulo Cordão: Isso, porque o Gaeco é o braço investigativo do Ministério Público, que faz as investigações criminais. Essas investigações criminais que têm sido mais lapidadas, mais pontuais, que exigem mais especialização, entra o GAECO. Então cada estado brasileiro tem um GAECO. A gente está em intercomunicação, há essa interlocução, com o Maranhão, o Ceará, com todos. Nesse caso da Escamoteamento, a gente compartilhou informações. Eles já têm procedimento aberto, já estão investigando lá no Maranhão ou no Ceará e também há o próprio MPF.

180: Tem esquemas muito grandes no Piauí?

Rômulo Cordão: Tem investigações que começam pequenas e podem ficar grandes. [Foi o que pode ser dito pelo promotor].

180: Corrupção?

Rômulo Cordão: Nosso carro-chefe aqui, na investigação, são os crimes de colarinho-branco. A gente não tem assim um perfil para crime organizado ligado a crimes mais violentos, tipo assalto a banco, PCC.

180: Em relação a promotores como Fernando Santos e Leida Diniz, que trabalham com improbidade, outro campo, vocês têm esse intercâmbio com eles não é isso?

Rômulo Cordão: Sim. Doutor Fernando, doutora Leida, via de regra, quando eles vão entrar com uma ação de improbidade ou tem algum elemento, eles nos compartilham ou às vezes até nos pedem auxílio para produzir alguma prova que eles necessitam. E às vezes quando denunciam, nos compartilham para que a gente tome as medidas criminais.

180: Sabemos que vocês são independentes, tem núcleos independentes. O senhor, por exemplo, coordena um núcleo, o GAECO, mas sabemos que existem pressões. Gostaria de saber se o senhor sofre pressões, diante do trabalho que desenvolve, além das pressões que a gente já viu contra o senhor, que se tornaram visíveis e públicas. O senhor sofre pressões?

Rômulo Cordão: A pressão, infelizmente, ela é inerente ao trabalho do promotor de justiça. Se o promotor não conseguir conviver com esse tipo de artifício, então fica inviável a atuação. Às vezes acontece, por conta da envergadura das pessoas investigadas, determinadas pressões. Isso aí as pessoas sabem.  

180: Isso para parar as investigações?

Rômulo Cordão: Às vezes. Mas não só para parar as investigações. Mas para questionar a questão da lisura, da autonomia, da independência. Essa questão que vem se discutindo dos GAECOs, das interceptações telefônicas ou não, se é legal ou ilegal. Assim, mas isso não nos abala. O que temos que saber, na minha concepção pessoal, é lidar com isso. Elas [as pressões] podem existir, mas não podem influenciar na sua atuação. É como a questão do medo. O medo existe. É até um sentimento de autopreservação do ser humano. O que não pode é o medo tomar conta das suas decisões, senão você não avança. E a pressão é boa, porque ela obriga você cada vez mais a estar evoluindo, se lapidando no seu trabalho, prestando um serviço com mais eficiência e com mais qualidade.

180: Isso ajuda, por exemplo, a coibir erros...

Rômulo Cordão: Exato. A partir do momento que você é questionado, que você está sendo avaliado, você necessariamente, obrigatoriamente, você tende a se aperfeiçoar, melhorar cada vez mais. Como também é positivo. A gente não tem nenhum problema com isso não.

180: Seu trabalho com a Polícia Civil e sua parceria com essa instituição, como é que é?

Rômulo Cordão: O trabalho com a Polícia Civil [instituição tida como que pouco combatente da corrupção no Piauí - nota do repórter] é muito bom, flui muito bem. Há uma relação de confiança. A gente trabalha numa relação de confiança muito boa, tanto em relação a crimes de colarinho-branco, como demais ações criminosas. Sobre esse caso agora dos presídios, a gente está atuando junto. E com outras instituições também parceiras. O TCE, o TCU, a CGU. Aqui no Piauí se criou uma rede de controle, você deve ter conhecimento. E essa rede de controle evoluiu muito na sua sistemática de atuação. Hoje em dia a coisa acontece com maior fluidez. Por que o que acontecia antes? Às vezes, um órgão tinha uma informação que era de interesse do outro órgão, mas não se falavam. Só que no final das contas, todos os órgãos, em última análise, tencionam a mesma coisa, que é fiscalização da aplicação do dinheiro público, da probidade, do patrimônio. Então a gente precisava melhorar essa comunicação e hoje em dia isso acontece com muita fluidez.

180: Antes, no Piauí, o GAECO, pelo menos é o que parece, não tinha essa visibilidade que aparenta ter nos dias atuais, antes do senhor. Me parece também que quando o senhor assumiu a coordenadoria, o GAECO passou realmente a funcionar aqui no estado. O que aconteceu mesmo? Foi uma questão de gestão, já que antes não se tinha essa ideia de que o GAECO possuía esse poder todo de investigação no Piauí?

Rômulo Cordão: Olha, a questão do GAECO, ela passa, necessariamente, por uma necessidade de estruturação. A gente não detinha uma estrutura adequada. Com o novo procurador-geral, o doutor Cleandro Moura, ele vem dando um up estrutural de recursos humanos, que é importantíssimo. Portanto, há investimento na capacitação e qualificação dos nossos recursos humanos. Então todas as pessoas aqui têm curso fora, em outros estados, de inteligência, de produção de conhecimento, de pesquisa.

180: São três promotores?

Rômulo Cordão: São três promotores comigo, mas há vários servidores. Então assim, houve esse investimento na parte estrutural, de recursos humanos na gestão do doutor Cleandro. Foi uma prioridade que ele elegeu. Acho que antes havia muitas questões no Ministério Público e não se priorizou o GAECO. Mas na gestão dele se priorizou, até por ser uma exigência da sociedade. A gente vê, com a Lava Jato, que a sociedade exige maior transparência, e para tanto, os órgãos de controle que abraçou essa missão constitucional, de fiscalizar, de prevenir e de reprimir, tem que cumpri seu papel. Diante de todo esse panorama que vive o Brasil atualmente, necessariamente, os órgãos teriam que se pautar, a partir desse momento, com postura mais proativa, mais ferrenha, mais combativa com relação a isso. E o principal de tudo, a gente age com liberdade, lógico, que com responsabilidade, mas a gente tem uma liberdade de atuar.

180: Há possibilidade desse ano haver alguma operação do GAECO que deve estar aí amadurecendo?

Rômulo Cordão: Possivelmente, como a gente vem trabalhando, não é? Na verdade, a operação ela é, simplesmente, um coroamento, uma conclusão de um trabalho que é feito intramuros, aqui dentro. Um trabalho de produção de conhecimento, de avaliação, de busca de dados, de fontes abertas, fechadas, enfim. Então a gente finaliza com a operação, quando ver a necessidade, eventualmente, de alguma medida da operação: busca e apreensão, sequestro de bens, eventualmente, também, prisão. Então assim, como a gente começa com uma investigação e não sabe como ela vai terminar, porque há vários desdobramentos, já que se descobre outros atores, outros crimes, a gente não pode dizer assim categoricamente quando terá, mas que possivelmente, haverá operações, isso aí, com certeza.

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