Prefeito pode ser cassado -

Em São João do Piauí, "quem não vota no prefeito é punido"

Por Apoliana Oliveira

“(...) Aqui é o seguinte, quem não vota no prefeito é punido”.

A citação acima é do comerciante Antonio Edvaldo Ribeiro da Silva, conhecido na cidade de São João do Piauí pelo apelido de Joari, e foi dita enquanto conversava com o 180graus sobre a notificação que recebeu da prefeitura o impedindo de comercializar bebidas dentro do estádio municipal João de Deus Lima. Encaminhada logo após as eleições de 2016, a notificação é, para o comerciante, uma forma do prefeito Gil Carlos (PT) retalhar sua decisão de não ter nele votado.

Seu Joari tem o bar há mais de 30 anos, e diz ter recebido autorização do ex-prefeito Zé Paulo de Sousa para abrir uma janela do comércio voltada para o espaço do campo. A própria casa é feita no muro do estádio.

A relação do comerciante com o público que vai à praça esportiva é antiga, e sua boa vontade serve até mesmo aos atletas. “Não é bom só pra mim, aqui dou água a quem tá com sede, já levei gente com perna e braço quebrado para o hospital... como não tem cobertura no estádio, as pessoas vêm chegando e eu dou cadeira, mesa, aos jogadores forneço água, gelo. E ninguém me pediu para fazer isso”, conta.

- Seu Joari, ao lado da janela hoje fechada após notificação da prefeitura

RETALIAÇÃO?
Considerando o tempo em que atuava com a venda do estádio e o repentino impedimento, para o comerciante, a notificação é uma retaliação a sua decisão de não votar em Gil Carlos na última eleição. Perguntado objetivamente sobre qual prefeito mandou fechar a janela do comércio, seu Joari responde: “O atual, porque eu não votei nele, Gil Carlos. Na verdade, aqui é o seguinte, quem não vota no prefeito é punido”.

A notificação assinada pelo Diretor de Esportes da Secretaria Municipal de Cultura Esporte e Turismo de São João do Piauí, Tito Lívio Dias Piauí segue assinada ao dia 20 de outubro de 2016, ainda no mês das eleições. “O advogado disse que não tem validade nenhuma, esse papel aqui”, argumenta o comerciante, que acabou preferindo não brigar com o poder público, já que é funcionário público do Estado.

‘AQUI NÃO TEM CONVERSA’
Ele chegou a procurar a Defensoria Pública, e recebeu a “recomendação” de que procurasse o prefeito para conversar. “Eu disse, minha senhora, aqui não tem conversa, cidade pequena é assim, partido que ganha persegue o outro”.

Perseguido também se sente o comerciante Josinaldo Francisco de Oliveira, que trabalha em um trailer na Praça Noé Carvalho. Ele foi notificado extrajudicialmente pela prefeitura para que se retirasse do local, sob a alegação de uma reforma a ser realizada pelo poder público. O caso foi contado aqui no 180, quando uma liminar expedida pelo juiz Maurício Machado Queiroz Ribeiro impediu a retirada do trailer, que considerou ilegal o ato da prefeitura.

EM BUSCA DE VIDA DIGNA
Josinaldo servia ao Exército Brasileiro. Fixou-se no Piauí após conhecer a atual esposa, com quem teve dois filhos. Pensando em levar a primogênita para estudar em São João do Piauí, vendeu o carro que usava no transporte de animais na zona Rural em troca do trailer na praça. Seria este, daí então, o sustento da família.

- Venda de caldo de cana na praça ajuda no sustento da família de Josinaldo

Em conversa com o 180, Josinaldo contou que não votou em Gil Carlos nas eleições de 2012, quando o petista foi eleito prefeito. Nesta época, o gestor também lhe notificou para sair da praça, mas após um acordo, permaneceu com a venda de caldo de cana e salgados. Até mesmo sua esposa, Natália Araujo Dias, chegou a ser retaliada, com a transferência de turno da sede para o interior. Ela recebeu uma decisão favorável da Justiça do Trabalho, e ainda assim precisou barganhar para que a mesma fosse cumprida.
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REVOLTA COM INVESTIDAS CONTRA A FAMÍLIA
Em troca da tranquilidade familiar, Josinaldo aceitou receber Gil Carlos em sua residência e acertou que votaria nos candidatos do prefeito na eleição de 2014, e assim o fez. Mas no pleito de 2016, os “pedidos” da equipe do gestor em troca do apoio, não agradaram o comerciante, que mais uma vez rompeu com o grupo político. Entre os “pedidos”, de que a esposa gravasse um vídeo, mesmo no pós-operatório de uma cesariana, que seriam exibidos nos comícios de Gil. E mais, que ela participasse de uma reunião no sindicato dos professores, levantando voz em defesa do gestor.

A revolta teve seu ápice quando uma equipe do prefeito colou, sem autorização de Josinaldo, cartazes da campanha do petista no portão de sua residência. Ele retirou apoio a Gil, e logo após a eleição, recebeu novamente uma notificação para que saísse com seu trailer da praça. Na cidade, por onde se anda, muitos que conhecem a história de Josinaldo se indignam com a situação.

SILÊNCIO, MEDO E INTIMIDAÇÃO
Hoje o comerciante se sente intimidado, com medo que a esposa sofra novas retaliações. Quando o 180 esteve em São João do Piauí, Josinaldo aceitou conversar com nossa reportagem, de início. Mas durante a entrevista, uma funcionária da prefeitura se aproximou do trailer, intimidando o comerciante, que logo baixou o tom da voz, e amenizou nas declarações, chegando a interromper a conversa. Após conversar com a esposa, ele pediu que não tivesse sua foto exibida na reportagem, e nem mesmo quis que os áudios da íntegra da conversa fossem publicados, temendo ser mais uma vez retaliado pela gestão pública.

AÇÃO PODE CASSAR GIL CARLOS
Mas as histórias de seu Joari, Josinaldo e Natalia foram parar em uma ação eleitoral ajuizada pela coligação "O poder é do Povo”, encabeçada por Alexandre Mendonça (PROS), que pede a cassação de Gil Carlos. O gestor é acusado de compra de votos; contratação eleitoreira, coação de servidores e permissionários; uso de bens e serviços da administração em favor da campanha; e do uso da estrutura do estado, com a inundação de obras eleitoreiras, nas eleições de 2016.

Nas informações reunidas pelos advogados de Alexandre Mendonça, há menção ainda aos casos dos prestadores Marcelo Castro de Oliveira e Urbano José da Silva (Zé Urbano), que foram comunicados pela secretária de Saúde que seriam demitidos depois das eleições. Zé Urbano afirmou à coligação que chegou a ter o seu salário congelado. Todo material foi protocolado pelo advogado Raimundo Júnior ainda em dezembro do ano passado, e para ele, não restam dúvidas dos abusos cometidos durante a campanha que acabou reelegendo o petista em São João do Piauí.

DENÚNCIAS CHEGAM AO MP
O 180 também conversou com o promotor Sebastião Jacson Santos Borges, que responde pela comarca. Ele confirmou que após o período eleitoral recebeu diversas denúncias de servidores que se sentiam retaliados com transferências na lotação, muitos mudados da zona Urbana para a zona Rural, como o caso da servidora Natalia. “Estamos notificando os casos que estamos recebendo para que o gestor preste informações”, disse o promotor. Já o juiz Maurício Machado, procurado para falar sobre o caso de Josinaldo, preferiu não se pronunciar até o julgamento do mérito.

- Promotor Sebastião Jacson confirma que recebeu denúncias de servidores sobre perseguição política após o pleito

OUTRO LADO
A reportagem ouviu o prefeito Gil Carlos, que negou qualquer tipo de perseguição aos eleitores, e que as medidas foram tomadas tendo em vista obras de melhoria a serem executadas no município. “Olhe, algo que nós temos como linha política é o republicanismo, a democracia, o respeito às posições individuais. Na verdade, temos uma programação de fazermos adequações e reformas na praça. São João do Piauí é reconhecida por suas praças maravilhosas e queremos cada vez mais tornar a praça um ambiente agradável, não há absolutamente nenhuma perseguição”, disse.

Contudo, quando a questão de Josinaldo foi judicializada, um vereador chegou a pedir à prefeitura informações sobre a reforma da praça, alegada na notificação encaminhada ao comerciante. Mas nenhum dado foi enviado ao parlamento. “Porém, em uma análise preliminar, verifica-se que o motivo não justificou a prática do ato ora questionado, interesse na reforma da praça (...) é, neste momento, inexistente”, alegou o juiz Maurício Machado ao proferir decisão liminar.

- Prefeito Gil Carlos nega que esteja perseguindo servidores e comerciantes

Sobre a situação do estádio, o prefeito disse que “estamos evitando que o bar tenha porta voltada para o estádio, tornando assim um negócio [com] privilégio”. Disse ainda que está prevista a execução de uma reforma na praça esportiva, através de convênio com o governo do Estado. “Não é perseguição, se fosse estes bares já estariam fechados, já que no passado também não votaram na gente”, disse o prefeito, deixando claro que sabe – e lembra bem – das preferências políticas dos dois comerciantes citados na reportagem. Sobre o caso da praça ter ido parar na justiça, ele reconhece que é um direito do concessionário que, segundo ele, está “irregular”.

ELEIÇÃO DA APPM
Em meio às polêmicas denúncias e ações na justiça eleitoral, Gil Carlos disputa nesta sexta-feira (06/01) a presidência da presidência da Associação Piauiense de Municípios (APPM). Ele disputa, diga-se de passagem, sozinho, já que os outros dois candidatos que se puseram a tentar o cargo acabaram retirando seus nomes diante da interferência da atual presidência no pleito. Patrícia Leal (PT), prefeita de Altos, fez campanha contra Gil, mas preferiu não mais disputar, alegando que o pleito aconteceria de forma desleal, diante o apoio total da atual gestão.

Fonte: None

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