Caso deve ir a julgamento -

Agespisa: teresinenses sem água e julgamento de licitação que não sai

Judicializado, o processo de subconcessão dos serviços de água e esgotamento sanitário de Teresina parece longe de acabar. Mas não deveria ser assim. Enquanto as empresas brigam para saber quem assumirá a prestação de serviço feita hoje pela Agespisa, os milhares de teresinenses amargam problemas de abastecimento d’água, muitos sem entender direito sequer o processo que possibilitará investimentos na ordem de R$ 1,7 bilhões.

Há quase três meses o processo, que deveria ser tratado com urgência pelo Tribunal de Contas do Estado, se arrasta. A Corte foi provocada pelo consórcio Águas do Brasil, que não obteve nota técnica satisfatória no processo licitatório, e tenta agora impedir que a Aegea Saneamento seja homologada vencedora do certame.

Seguindo passos lentos, somente nesta semana a Diretoria de Fiscalização de Obras e Serviços de Engenharia (Dfemg) do TCE entregou ao conselheiro Kennedy Barros o relatório da análise técnica das denúncias de supostas irregularidades no processo, o que configura apenas a primeira parte da análise do tribunal.

Passo seguinte, o relatório que contém 23 páginas e em síntese mostra três falhas persistentes, foi então entregue ao Ministério Público de Contas, que emitirá parecer sobre a matéria. Segue então para o relator, que após firmar seu posicionamento, encaminha para votação ao plenário, onde haverá ainda manifestações das empresas licitantes interessadas e o governo do Estado.

- Após quase três meses da denúncia feita ao tribunal, Diretoria de Fiscalização emitiu relatório com apenas 23 páginas

Sem contar o risco de o processo ser completamente anulado. Tornaríamos à estaca zero.

Mas o teresinense que sofre com a falta d’água não está nada disposto em entender tamanha burocracia. Recorde a situação da dona de casa que amarrou-se a um poço tubular desesperada, tentando chamar atenção das autoridades, por que não tinha água para tomar banho, cozinha, nem mesmo para beber.

É preciso muito desespero para chegar a tal limite.

- Clique na imagem e conheça o drama da dona de casa Ângela de JesusDSC_0015.JPG

A situação enfrentada por moradores de alguns bairros da capital é, sem absurdo da expressão, de calamidade. São famílias que passam até uma semana sem receber água na torneira. A Agespisa já não atende mais à demanda, que urge por investimentos imediatos para garantir a ampliação da oferta de água.

Com as contas públicas definhando, o Estado do Piauí amargando queda de receitas, a solução encontrada foi abrir concorrência para que empresas privadas disputassem a subconcessão dos serviços. Mas esbarrou numa disputa de interesses sem tamanho. O TCE não pode abrir mão de analisar minuciosamente o processo, afinal é a garantia de oferta de um serviço essencial que está na mesa.

Cobrar urgência, não é demais. Pergunte às famílias que passaram esta noite em claro aguardando para encher os baldes, sem fazerem ideia de quando terão água novamente chegando às torneiras. Elas pedirão nada além de dignidade.

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Empresas investigadas na Lava Jato

O consórcio Águas do Brasil, que apresentou denúncia ao TCE, é formada por empresas envolvidas em diversos escândalos no país. Ao menos duas são investigadas no âmbito da Operação Lava Jato. O grupo, que não obteve nota técnica satisfatória no processo licitatório, coordenado pelo Governo do Piauí tenta agora impedir que a Aegea Saneamento seja homologada vencedora do certame.

Na país, o consórcio possui 13 concessões e fatura cerca de R$ 1,3 bilhão por ano. É formado pelas empresas Queiroz Galvão Participaçõjes, Carioca Engenharia, Construtora Cowan e Trana Participações (New Water). Se você reconheceu alguns destes nomes do noticiário nacional, não é mera coincidência. As quatro empresas foram, recentemente, associadas a casos de corrupção, ou denúncias graves em execução de obras.

Queiroz Galvão
O caso mais conhecido é justamente o da Queiroz Galvão, empresa cujo ex-presidente e ex-diretor foram presos, mais de uma vez. Em 2014, Ildefonso Colares Filho e Othon Zanoide de Moraes Filho foram presos pela primeira vez, quando da deflagração da sétima fase da Lava Jato. Dois anos depois, durante a 33ª fase, denominada "Resta Um", acabaram novamente presos pela Polícia Federal. A empresa é investigada por supostos crimes de organização criminosa, cartel, corrupção, lavagem de dinheiro e fraudes licitatórias em contratos firmados com a Petrobras.

Ironicamente, a Águas do Brasil alega existência de irregularidades no processo de subconcessão em Teresina.

- Ildefonso Colares Filho e Othon Zanoide de Moraes Filho foram presos duas vezes pela Polícia Federal na Operação Lava Jato

Em agosto deste ano, Ildefonso Colares Filho e Othon Zanoide de Moraes Filho foram indiciados. As investigações da Lava Jato apontam que a Queiroz Galvão pagou ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e ao Partido Progressista (PP) propina em razão de contratos com a Diretoria de Abastecimento, gerando uma “dívida” com a empresa de aproximadamente R$ 37 milhões. Ildefonso é ainda investigado pelo suposto pagamento de R$ 10 milhões em propina a parlamentares, em 2009, para que atrapalhassem a investigação da CPI da Petrobras.

Carioca Engenharia
A Carioca Engenharia é a segunda empresa do Grupo Águas do Brasil investigada na Lava Jato. Há poucos dias, seu então presidente Alfredo Collado, e todos os diretores foram demitidos. Ter o nome ligado às investigações acabou levando a empresa a uma grave crise administrativa e financeira. No início do ano, como delato da Lava Jato, o executivo da Carioca Engenharia Ricardo Pernambuco afirmou que pagou R$ 1 milhão em dinheiro ao Partido dos Trabalhadores, a pedido do ex-tesoureiro da sigla João Vaccari Neto.

- Em meio à crise financeira e de gestão, presidente Alfredo Collado foi demitido da Carioca Engenharia. Foto: Divulgação

Em reportagem publicada em fevereiro, o site G1 explicava que “o dinheiro em espécie era viabilizado via doleiros e esquentado através do superfaturamento de contratos e simulações de prestação de serviços. Em troca, a Carioca Engenharia entrava na lista de empresas que poderiam participar de licitações na Petrobras”. Pernambuco também apontou pagamento de R$ 52 milhões de propina ao ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A empresa chegou a devolver R$ 100 milhões aos cofres públicos.

Em outubro, a mídia nacional noticiava que Tania Fontenelle, ex-funcionária da Carioca Engenharia, afirmou ter comprado gado superfaturado de uma empresa ligada à família do ministro do Esporte do governo de Michel Temer (PMDB), Leonardo Picciani. As afirmações dela apontavam que "recebia solicitações de acionistas e de diretores da empresa para providenciar dinheiro em espécie" e que "a destinação dessas quantias era ilícita, para corrupção ou para doação eleitoral não-declarada".

- Ministro de Temer nega acusações da ex-funcionária da Carioca Engenharia

Sobre uma destas operações, ela cita a Agrobilara Comércio e Participações Ltda, que tem como controladores o presidente da Assembleia do Rio de Janeiro, Jorge Picciani, e os filhos Leonardo Picciani, ministro, e Rafael Picciani, deputado estadual, ambos do PMDB. Disse ela que foram "gerados recursos em espécie com a Agrobilara, por meio da compra, pelo grupo Carioca, de animais bovinos com preços superavaliados. Falou também que "as vacas foram entregues mas que parte do valor pago foi devolvida à Carioca".

Construtora Cowan
Foi quando um viaduto caiu sobre um ônibus em Belo Horizonte, que a empresa ganhou destaque – negativo – na mídia. A estrutura localizada na Avenida Pedro I, na Região da Pampulha, capital mineira, cedeu no dia 3 de julho de 2015. Três meses depois do diretor da Cowan José Paulo Toller Motta, admitiu em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais que nas obras da estrutura foi usado concreto vencido.

- Duas pessoas morreram no desabamento e 23 ficaram feridas. Foto: Lincon Zarbietti/O Tempo/Futura Press

"Realmente o concreto tinha passado do horário especificado em um item da norma. Mas a norma permite, através de uma avaliação visual, utilizar o concreto, condicionado que, nos ensaios, ele dê a resistência obrigatória no projeto. Não posso concordar que isso foi motivo da queda do tabuleiro (parte de cima do viaduto)", disse José Paulo, conforme mencionou reportagem do site G1. Ele é um dos 19 indiciados dois homicídios com dolo eventual, 23 tentativas de homicídio com dolo eventual e crime de desabamento com dolo eventual.

Trana Participações
A empresa cearense é formada por 8 sócios, e liderada pelo empresário Marcus Pinto Rôla. Em janeiro deste ano, investigadores da Lava Jato estiveram em Goiânia, buscando detalhes sobre os contratos milionários da empresa com a prefeitura daquela cidade. A empresa de tecnologia herdou contratos para exploração de fotossensores e fiscalização móvel (radares) com a secretaria de Trânsito.

- Maioria das empresas em que Marcos Pinto é sócio ficam no Ceará

Marcos Pinto Rôla foi um dos que teve sigilo bancário e fiscal quebrado pela CPI da Petrobras, cujos dados foram enviados para o juiz Sérgio Moro. Ele é sócio de 22 empresas no Rio Grande do Norte, São Paulo, Maranhão, e principalmente no Ceará.

O processo de subconcessão
No Piauí, o Grupo Águas do Brasil é licitante no processo de subconcessão dos serviços de abastecimento e saneamento em Teresina. Nas propostas, a empresa apresentou maior valor de outorga, R$ 180 milhões. Mas na avaliação da Fundação Getúlio Vargas a empresa Aegea Saneamento e Participações S/A foi apontada como a vencedora do processo, pela soma da nota técnica com a proposta financeira.

Em relatório assinado pelo coordenador de projetos da FGV, José Eduardo Vasconcellos, a empresa atingiu nota final de 95,97 pontos, à frente de Águas do Brasil com 93,70 e Consórcio Poti, que pontuou em 84,60. Agora, a previsão é de que já no primeiro semestre de 2017 seja assinada ordem de serviço para início do cronograma de obras na capital.

- Diretor do Grupo Águas do Brasil, o engenheiro Carlos Henrique da Cruz Lima

Se levados em consideração os reclames da empresa, com sede no Rio de Janeiro, a Superintendência de Parcerias do Governo do Estado poderia comprometer todo o processo, incorrendo em ilegalidade, tornando o preço balizador da analise de propostas, e prejudicando as outras duas licitantes. Durante o processo licitatório, as empresas tiveram de apresentar seus respectivos planejamentos econômico-financeiros, o cronograma de investimentos, o demonstrativos de custos, despesas e resultados, além do fluxo de gasto.

Fonte: None

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