Operação Lava jato -

Ex-contadora de Youssef teria agido como 'agente infiltrada' da Lava Jato

Para conseguir “imunidade” e não ser presa, a contadora Meire Bonfim da Silva Poza, que trabalhava para o doleiro Alberto Youssef, teria feito um acordo informal com o delegado federal Márcio Adriano Anselmo, um dos responsáveis pela Operação Lava-Jato em Curitiba. A relação da contadora com integrantes da Força-Tarefa Lava Jato revela “operações forjadas” para se obter o que ela diz ter entregue espontaneamente, numa tentativa de “esquentar documentos”.

Em quase 200 páginas de transcrições de conversas de Whatsapp e duas dezenas de e-mails obtidas pela revista Carta Capital a contadora Meire Poza, ex-braço direito do doleiro Youssef, troca informações com agente e delegados da PF. Poza teria agido como uma “espécie de agente infiltrada” para vazar documentos e até forjar operações. Além disso, os trechos sugerem que parlamentares viraram alvo de investigação sem autorização do Supremo Tribunal Federal.

Ao Paraná Portal, Meire confirmou o contato. “Houve realmente esse contado, mas ainda não sei. Tenho que saber o que é isso (as transcrições). Vi o prefixo 41 (da ligação de Curitiba), achei que era alguém da PF. Eles não falam comigo há meses. Comecei a falar com o Marcio (delegado da Lava Jato) em abril de 2014 até agosto ou setembro de 2015?, disse. Nas conversas, Meire aparece falando com os delegados Márcio Anselmo e Igor Romário de Paula, e com o agente Rodrigo Prado. A relação dela com a PF não era intermediada por um advogado.

A PF informou que por enquanto não vai se manifestar sobre o assunto.

Contato

Antes da Lava Jato, Meire Poza conta que procurou a PF em São Paulo. “Havia procurado a PF em 2012. A Polícia Federal não me deu a mínima. No decorrer dos dois anos, aí eu comecei a fazer um apanhado de documentos, planilhas. Quando estourou a Lava Jato eu procurei o delegado Otávio de São Paulo e ele me encaminhou o contato do Marcio. Ele veio pra São Paulo”, conta.

Em 2012, Meire procurou a PF para denunciar a existência de um esquema de fraudes em fundos de pensão privados operados em conluio pelo doleiro Youssef e agentes de vários estados. Um delegado da PF em São Paulo de prenome Otávio foi escalado para ouvir a contadora, mas não se interessou pelo assunto por falta de documentos que comprovassem a denúncia. “Aí comecei a juntar documentos”, diz.

Ela disse que não sabe quem vazou as conversas que teve com agentes da Lava Jato. “Ainda preciso ver o que é isso. Estou assustada com essa matéria”.

Imunidade

As conversas revelam que haveria um acordo tácito de que a contadora não seria incriminada. “Estou acertando com eles a tua imunidade”, teria escrito o delegado Anselmo ao acalmar Poza sobre sua situação criminal. Apesar de ter confessado que emitiu notas frias para maquiar rendimentos ilegais, Poza sequer foi indiciada. “Sou só testemunha, não tive nenhum (…), não fui indiciada, não fui denunciada, então fui só colaboradora”, disse Meire.

Sobre o objetivo e natureza do contato com a Polícia Federal, Meire Poza disse que ainda prefere não comentar. “Agora sim, vou procurar um advogado. Não sei o que fazer. Estou perdida com isso”, disse.

A relação entre Poza e a força-tarefa funcionava da seguinte maneira: a contadora encaminhava documentos e fornecia informações ainda protegidas por sigilo. A colaboração “informal” ganhou elogios de Anselmo, conforme publicou a revista. “Vc deveria fazer concurso pra PF (sic)”, escreveu no WhatsApp.

Operação forjada

Meire Poza teria ajudado a forjar operações da PF para “esquentar documentos” já fornecidos por ela. Poza tinha caixas de documentos com contratos fictícios da RCI, MO Consultoria, GDF e Empreiteira Rigidez, usadas para a movimentação de propina. “O acervo comprovava o fato de o doleiro receber dinheiro das maiores construtoras por serviços nunca prestados. A contadora repassou os papéis em março de 2014. Mas como a documentação foi entregue de maneira aparentemente ilegal, era preciso “esquentar a documentação”.

Em 5 de maio, Anselmo orienta Poza: “Devemos acertar para a prox semana uma viagem a sp para formalizar a apreensão daqueles documentos (sic)”. Resposta: “Te aguardo!!!” O delegado continua: “Se puder já separe todo o material dos contratos da gfd (sic)”. A GFD era a principal empresa de lavagem de dinheiro de Youssef.

A conversa sobre a busca e apreensão armada prossegue em 27 de junho, desta vez com Prado. O policial informa a intenção de a PF instalar uma escuta ambiental no escritório da contadora. Poza diz sofrer pressão para entregar alguns cheques.

O agente sugere que ela “enrole”, pois eles iriam buscar o material na semana seguinte. “Inventa uma desculpa na segunda feira dizendo que nao deu e que vc vai depositar na terca (sic)”, digita. “Vou sumir. Dizer que adoeci. Febre alta…”, diz Poza. E recebe de volta: “Terca cedo to ai. Importante isso Meire. Reta final (sic)”.

Em outra mensagem, ela pede uma operação discreta. “Prado, sem viatura e sem roupa preta?? Pode ser?? Só pra não assustar muito meu pessoal… Mas se não puder, tudo bem… (sic)” O policial responde: “Isso nao depende de mim. Mas vou levar sua solicitacao a quem decide (sic)”. Ela retruca: “A viatura o Marcio tinha prometido que não viria… (sic)” O agente conclui: “Vou pessoalmente para garantir que nao tera confusão (sic)”.”, diz o trecho da matéria da Carta Capital assinada pelo jornalista Henrique Beirangê.

STF

Em um diálogo de 16 de maio de 2014, a contadora e Anselmo citavam nomes de políticos. Por causa da prerrogativa de foro privilegiado, as investigações não poderiam ter seguido na primeira instância. Necessitavam de autorização do Supremo Tribunal Federal.

“Vixi tem muito político… (sic)”, anota ela em uma das trocas de mensagem. Poza continua: “No dia 12 ou 13 de março por exemplo ele estava a noite com o Renan Calheiros pra acertar a colocação da debenture na Postalis (sic)”.

Meire também cita encontros com delegados em pleno decorrer de investigações, sem o intermédio de um advogado.

Medo

A contadora disse ao Paraná Portal que está assustada com a publicação da matéria. “Eu não tenho advogado, sou só testemunha. Não sei como eles (a revista) conseguiu isso. Agora estou com medo. Eu estava falando: primeiro botaram fogo no meu escritório, depois saiu essa matéria. Virei a odiada. Estou meio perdida, estou assustada e com medo. Quando eu denunciai eu tava denunciando o Beto (Alberto Youssef)”, afirma.

“Meu escritório pegou fogo. Até agora nada, não saiu laudo, ninguém falou nada. Eles disseram que dada a publicidade do caso, (o laudo) sairia em 30 dias. Está completando 30 dias e nada. Estou trabalhando em um escritório emprestado, tentando recuperar clientes, tentando. Todo mundo tem medo, botaram fogo no meu escritório, agora vão botar fogo em mim. Ninguém quer trabalhar comigo. Agora, em época de imposto de renda, estou em um escritório emprestado”, diz a contadora.

A contadora tinha um escritório em São Paulo desde 2009 e que atualmente contava com quatro funcionários e 50 clientes. Um incêndio destruiu o escritório em 31 de março, um dia antes da deflagração da 27ª fase da Lava Jato, a Operação Carbono 14. Meire disse que no prédio não havia mais nenhum papel relacionado ao esquema investigado na Lava Jato e classificou o episódio como coincidência.

Notas frias

Em depoimento à CPI Mista da Petrobras, em outubro do ano passado, Meire admitiu ter emitido R$ 7 milhões em notas frias em serviços prestados a empresas de seu ex-cliente e afirmou ter consciência de que deve responder por isso. Porém, não sozinha. A partir do momento em que resolveu contar tudo o que sabe sobre os bastidores das negociatas de Youssef, foram muitos os nomes que passaram a surgir nesses relatos.

Meire não fez delação premiada ao Ministério Público Federal, mas seus relatos foram importantes e abriram flancos para a força-tarefa da Lava Jato avançar. Ela é testemunha.

Livro

“Se não me matarem em breve, estou vendo se até o final deste ano (publica o livro). Será diferente do livro do Romeu Tuma”, afirma. O livro “Assassinato de Reputações II – Muito além da Lava Jato”, assinado por Claudio Tognolli e Romeu Tuma Junior, revela os bastidores da Lava Jato.

Segundo o livro, a operação, inclusive, poderia ter acontecido dois anos antes, após uma denúncia que não foi levada em conta pela Polícia Federal. Meire Poza apenas contribuiu com informações. No livro dela, promete contar toda a história de sua relação com a PF, desde o início.

Fonte: UOL

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